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4 de jan. de 2012

As imperfeições de Deus - parte 1



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"Em uma região esquecida do mundo, velhos sábios contavam a respeito de um homem que vivera em tempos remotos, um homem que havia compreendido a existência de tal forma que foi capaz de, numa era de supremacia incontestável da fé, enxergar imperfeições no próprio Deus. (...)
Hoje, após séculos da vida deste misterioso homem, (...) Em tal empreitada, imagino poder trazer aos meus pensamentos algo que me diga um pouco sobre a existência sem me tornar refém de uma crença cega, pretendo erguer as perguntas sem temer o teor das respostas...
Seria Deus um ser cheio de imperfeições e limitações, um deus mais humano que divino, em detrimento do conceito de um Deus irado e Todo-Poderoso que se cala e se exime das responsabilidades de um mundo onde o sofrimento é regra e a felicidade exceção? E o sentido da vida? Poderia o sentido de tudo ser somente seguir a vida sem preocupações com um deus, criar um sentido todo dia para além de um criador? Indo mais além, e se  Deus não existir? Tudo isto é algo que não sei, que talvez nunca saberei, de forma que somente lanço ao tempo e ao pensamento as palavras de um velho homem que enxergou as imperfeições de Deus (...)" 

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As imperfeições de Deus - parte 1

Em uma região esquecida do mundo, velhos sábios contavam a respeito de um homem que vivera em tempos remotos, um homem que havia compreendido a existência de tal forma que foi capaz de, numa era de supremacia incontestável da fé, enxergar imperfeições no próprio Deus.
Aquele homem, cujo nome perdeu-se de uma vez por todas na história, não era um profeta ou o criador de uma nova fé. Não era rei, sacerdote ou reformista de algum sistema ou ordem social, mas tão somente alguém com a ousadia de permitir-se às mais complexas perguntas e arriscar-se a considerar uma gama de respostas, que levavam a perguntas outras, num ciclo encantador. Suas respostas eram hipóteses, e não certezas, servindo de caminho para uma reflexão constante e profunda.
Mais que um filósofo ou um crítico, pela simplicidade que via nas coisas, tal homem alcançou um patamar improvável para o seu tempo, mas razoável por toda história que ainda seria vivida para depois ser escrita, perdida  ou esquecida no tempo e no espaço. Indo além de observar as arestas que existiam em torno da figura de Deus, de expô-las, ele se preocupava em imaginar de que forma suas respostas, independentemente de seu teor, culminariam em atitudes que trouxessem um sentido para sua vida. De fato, o sentido por ele almejado era somente sorver a vida em intensidade, isto num esforço constante de compartilhar a plenitude da vivência para com seus semelhantes.
Hoje, após séculos da vida deste misterioso homem, ajo como alguém que nada faz além de repetir as palavras daqueles velhos que viveram ao sopé de uma montanha histórias marcadas pelo suor de seu trabalho e a simplicidade de seus dias. Me arrisco a refletir sobre o que dizia o homem de um povo sem escrita e sem calendário, sem datas especiais, já que todos os dias lhes eram especiais. Em tal impreitada, imagino poder trazer aos meus pensamentos algo que me diga um pouco sobre a existência sem me tornar refém de uma crença cega, pretendo erguer as perguntas sem temer o teor das respostas...
Seria Deus um ser cheio de imperfeições e limitações, um deus mais humano que divino, em detrimento do conceito de um Deus irado e Todo-Poderoso que se cala e se exime das responsabilidades de um mundo onde o sofrimento é regra e a felicidade exceção? E o sentido da vida? Poderia o sentido de tudo ser somente seguir a vida sem preocupações com um deus, criar um sentido todo dia para além de um criador? Indo mais além, e se  Deus não existir? Tudo isto é algo que não sei, que talvez nunca saberei, de forma que somente lanço ao tempo e ao pensamento as palavras de um velho homem que enxergou as imperfeições de Deus:

Imcompletude e limitações
"Seria impossível a Deus ser todo poderoso. Digo isto por pensar que um ser auto-existente e com todo poder jamais teria necessidade de criar qualquer coisa; se fosse auto-suficiente, não evocaria um universo para controlar e impor regras, não precisaria de nada para amar ou condenar.
Quando despertou de seu sono divino e percebeu que existia, com todo conhecimento que tinha, já que era a única coisa que existia e todo conhecimento que havia, sendo o tudo e o nada, Deus sentiu-se só. Para que sua existência tivesse sentido, construiu de si mesmo algo que fosse além de sua mente, que nem grande poderia ser considerada, pois não havia sequer tamanho e espaço. Sem ter respostas, já que nem perguntas havia, Deus precisou de uma referência para si: sua própria criação. Criou o espaço e determinou-se grande; fez o tempo e se nomeou eterno; criou a dualidade e assumiu a postura de bondoso.
Diriam os profetas que tais palavras são blasfêmias, mas se esquecem de olhar para a vida que, me pergunto, não seria uma réplica de todo este processo? Por ter anseios o artífice não molda a escultura e traz para si um sentido? Com um fio que arranca do cabelo, com um pulsar do coração, a humanidade não vislumbra mundos para além de si em seus pensamentos, tornando-os ações? Não temos nós nossos filhos com intuito de preenchermos espaços em nossa existência? Não seria assim também com o divino, respondendo aos seus anseios com manifestações criadoras?"

Vaidade   e auto-engano
"Tendo a necessidade de criar algo para si, Deus foi além. Não tendo todo poder, não conseguiu satisfazer-se de sua própria criação de uma única vez, de forma que criou coisas similares e completamente antagônicas. Num certo momento, criou seres espirituais, mas estes nada faziam que atender às vontades que havia determinado: ser louvado e adorado. Mas por que um ser perfeito e auto-suficiente desejaria isto? Isto só seria possível se Deus tivesse consigo a vaidade, a necessidade de reconhecimento mediante um feito que, por escolha dele mesmo, tinha sido a criação das coisas que, em essência, não passavam da satisfação de uma necessidade individual.
Se para Deus teria sido tão fácil trazer tudo à existência, por que considerou tal feito como algo digno de uma adoração extrema? Qualquer sábio chamaria de louco um rei que criou palácios e exigiu de seu povo a dura rotina de viverem suas vidas em função de sua glória.
Sendo assim, considero que Deus, além de vaidoso, vive um auto-engano, já que exige para si a glória de um feito mínimo e sem um sentido além de suas próprias satisfações."

Ganância e inconsequência

"A criação de seres espirituais não foi garantia de satisfação para Deus, fato evidenciado por certa quantia de tais seres se rebelarem e reivindicarem para si a glória divina, já que também queriam reconhecimento e adoração. No fundo, o próprio Deus sabia que isto ia acontecer, já que tudo o que criara viera de si mesmo e todo conhecimento fora definido em seu âmago, o que revela tamanha inconsequência. Algo criado de forma divinamente perfeita não pode exceder os limites definidos em sua construção. A humanos é compreensível a construção de casas que caem e potes que se racham, mas a deuses não."

Arrogância e irresponsabilidade

"Mesmo vendo sua própria criação aderir a escolhas que ele mesmo definira transgressões, sua arrogância foi tamanha que condenou ao vazio os transgressores e os impôs a face da maldade, seu oposto eternamente condenado. Se houvesse compreensão por parte do divino não seria esperado que Deus consertasse as falhas causadas por sua inconsequência ou erros em sua obra?  Mas sua escolha foi outra.
Na tentativa de alimentar sua vaidade, Deus foi ganancioso ao inserir em sua criação um ser que o adorasse de uma forma mais verdadeira e que lhe trouxesse mais prazer, provando aos seres transgressores que ele poderia ser adorado e respeitado por outrem. Sua decisão inicial seria de amar este ser e receber dele um temor e reverência diferente dos seres espirituais; era a experiência de um novo sentimento: criar os seres humanos.
Para tal, o divino deu a eles uma coisa chamada consciência, uma capacidade de arrazoar mediante o mundo e as escolhas. Com a consciência humana Deus de fato poderia ser escolhido como referência absoluta, deixando de ser o ícone de admiração vazia de seus seres espirituais e provando a eles que era superior e que merecia definitivamente a admiração. Mas isto traria complicações mais...
Como uma consciência poderia escolher por servir a seu criador de forma excelente, se não houvesse em sua mente outras escolhas? Para resolver tal dilema, Deus cometeu a irresponsabilidade de expor sua amada e nova criatura aos assédios de seus inimigos e ao contato direto com um caminho de trangressão, um fruto proibido. Ao que tudo indica, Deus havia sido tomado pela cegueira de provar que estava certo e que era superior, já que criara um jogo onde suas criaturas eram peças; a aposta, consequências terríveis para as mais frágeis: os humanos."

Indefirença e contradição

"Indefirente ao que poderia ser feito para corrigir as trangressões dos primeiros seres inteligentes de sua criação, Deus usou de certa frieza para apresentar aos humanos as escolhas corretas mediante às erradas. Importava somente que lhe obedecessem e nada mais. De forma contraditória, a liberdade que lhes concedia estava pautada em ameaças. Se cometessem trangressões contra seus princípios seriam punidos com castigos que sequer entendiam, já que conheciam somente aquilo que Deus lhes dizia, pois só conheciam a Deus. 
A preocupação de Deus parecia mínima diante dos sofrimentos que os humanos poderiam vir a padecer. Isto tanto faz sentido que, no momento que a humanidade foi assediada pelas más escolhas e cedeu a seus apelos, Deus sequer esteve perto para tentar impedir ou apresentar um contraponto à consciência, implicando numa escolha real.
Além de não estar perto no momento de erro que o próprio Deus tinha designado à humanidade - erro este de haver na essência da consciência como possibilidade da má escolha - ele se apresentou tardiamente fingindo não saber do que acontecia."

Continua...

Escrito por Edward de A. Campanario Neto


     

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