Páginas

4 de jun. de 2012

As marcas da distância




========================================================

Que marcas foram estas que nos lançaram para longe do nosso próprio ser? O que foi capaz de causar o espantamento de fitarmos a existência e vermos a esmo um vulto que ficou para trás do que éramos, do que somos e de que não somos mais? Tal olhar não é exatamente de tristeza ou vazio, mas um choque dada a força de certas mudanças.

========================================================



As marcas da distância

A vida nos deixa marcas, algo inegável e, muitas vezes, não considerado dentro de nossas próprias perspectivas. E isto não nos é necessariamente ruim, já que evoca reflexões e aqueles silêncios sobre quem somos. Às vezes confuso, doloroso, tempestivo? Sim, óbvio, mas mesmo assim mudança, sensação de que estamos vivos, de que existimos e podemos escolher nossos próprios caminhos.
E caminhando, vou deixando minhas marcas na vida e, consequentemente, me vejo marcado pela força ou debilidade dos acontecimentos. Afinal, me questiono o poder de tal marcas que são gradualmente impressas em minha existência. Todas as perguntas giram em torno deste elo inquebrável com a dúvida, o receio, a finitude de tudo, uma elipse de mistério que nos impele.
Mais intrigante em todo este processo é quando nos percebemos marcados de tal forma que não somos capazes de nos reconhecermos em alguns de nossos tons que consideramos próprios de nós mesmos. Aos poucos, na profundidade dos pensamentos, nos vemos distantes de nosso mundo, longe da realdade que consideramos ideal.
 Que marcas foram estas que nos lançaram para longe do nosso próprio ser? O que foi capaz de causar o espantamento de fitarmos a existência e vermos a esmo um vulto que ficou para trás do que éramos, do que somos e de que não somos mais? Tal olhar não é exatamente de tristeza ou vazio, mas um choque dada a força de certas mudanças.
Estranho este eu que  não somos mais. Ficou esquecido, mudo, transtornado num emaranhado de acontecimentos. Nele ficaram empoçados tantas crenças, escolhas e decisões. Muitas delas frangalhos e retalhos que apodreceram mediante novos e melhores caminhos; algumas outras verdadeiras preciosidades que ficaram perdidas no decorrer dos dias bons ou ruins. Somo perdas e ganhos, somos renovação, que nos evoca a convicção de que nunca seremos capazes de retermos tudo de bom ou ruim que a vida nos trará. Daí, somos tão somente um mosaico que se molda, se constroi e descontroi até se anular no fim de todas as coisas. Somos  infinitude nos pensamento, e finitude quando este não houver mais.
E quem sabe o que exatamente mudou? Quem seria capaz de delimitar dentro de si próprio a fronteira ou divisão, o momento em que o ser passou de um estágio ao outro, de uma perspectiva à outra? De fato, ninguém o sabe. O que ocorre é um espanto quando se percebe a mudança derradeira, que acaba por ser capaz de trazer a sensação de distância de um longo caminho de transformações que se seguiram. 
E não seria a mudança rompimento de nós com nós mesmos uma consequência daquilo que sempre fomos e nunca nos permitimos saber? Será que ignoramos algo premente, clamando no âmago de nosso ser em meio às vozes e ruídos que turvaram o conhecimento sobre nossa constituição? Talvez sim, talvez não.
Toda esta torrente de dúvidas e questionamentos me faz evocar Carlos Gomes e Bittencourt Sampaio. Quem sabe? Assim arguía a canção, que embalava mentes e corações no fim do século XIX. Se com a intenção das dúvidas que ergo, não sei, mas sua composição me lança de forma mais profunda no rio e nas torrentes de meus próprios pensamentos, das marcas da minha distância.
Por que tão longe? Para onde tal distância? Onde nos levará o pensamento? E como ficam nossos juramentos? Nos traímos ou nos libertamos? Nos esquecemos de quem éramos, do que somos? O que é constante, o que é o nosso pensamento? É nosso, nosso próprio pensamento? Quem sabe?

Tão longe de mim distante / Onde irá, onde irá teu pensamento
--Tão longe de mim distante / Onde irá, onde irá teu pensamento
--Quisera, saber agora / Quisera, saber agora
-----Se esqueceste, se esqueceste / Se esqueceste o juramento.
--------Quem sabe se és constante / Se ainda é meu teu pensamento
-------Minh’alma toda devora / Dá a saudade dá a saudade agro tormento
-----Tão longe de mim distante / Onde irá onde irá teu pensamento
--Quisera saber agora / Se esqueceste se esqueceste o juramento.


Carlos Gomes e Bittencourt Sampaio


Escrito por Edward de A. Campanario Neto




===============================================
"A vida nos deixa marcas, cria distâncias. Nos resta arrazoarmos sobre elas"
=============================================== 

Nenhum comentário: