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14 de set. de 2012

Andando na Bruma




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"Tal qual Morgana das Fadas, fito meu mundo que se esvanece e se perde nas brumas, tendo certo receio de me tornar prisioneiro daquela rainha do povo encantado, que alimentava com ilusão e loucura seus hóspedes num misto de prazer e crueldade. De um caminho a outro há o temor de uma ou outra armadilha que espreita para o ocaso definitivo do vínculo com a realidade." 

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Andando na Bruma

Andando em meus caminhos distantes, absorto na imensidão dos pensamentos, olho ao redor e me percebo envolto em densas brumas. Gradativamente meu mundo se perde sob seu manto frio, de modo que já não sei onde ou quando estou. Tão somente o silêncio e a dúvida me acompanham, evocando a estranheza de uma realidade atemporal e descolada do conhecido.
Tal qual Morgana das Fadas, fito meu mundo que se esvanece e se perde nas brumas, tendo certo receio de me tornar prisioneiro daquela rainha do povo encantado, que alimentava com ilusão e loucura seus hóspedes num misto de prazer e crueldade. De um caminho a outro há o temor de uma ou outra armadilha que espreita para o ocaso definitivo do vínculo com a realidade.
Assim sendo, não tenho convicções suficientes sobre o poder desta névoa que me assombra. Fica confuso precisar de onde vem, se de lugares próximos ou distantes, sendo que me questiono se não é mais uma das reentrâncias de meus próprios pensamentos, minha nêmesis escondida em salas e câmeras no âmago de meu ser.
Aos poucos me distancio daqueles que me cercam, pois eles não capazes de me seguir nesta sina. De repente me vejo falando e andando só, mesmo estando acompanhado. Sei que não mais estou num tempo e espaço comum, mas tomado das brumas que me transportaram para minhas veredas misteriosas. Enquanto fito as grandes Pedras do Thor, ouço o badalar longínquo da igreja de Glastonbury. Me perguntam dos sinos, das orações, e eu simplesmente não sei do que dizem.
Não me atentando a toda esta vivência como algo necessariamente negativo, confesso que acho não só estranho mas também demasiado curioso perambular entre mundos tão distintos. Das banalidades e futilidades, mazelas e tudo mais que impera na concretude, me lanço em uma dimensão oculta como que pelo pronunciar de palavras mágicas, mistérios antigos vestidos de uma novidade renovadora.
Por vezes alguns de meus acompanhantes me seguem para o mundo das brumas quando eu, sem perceber, evoco meus sortilégios. Por lá sentem-se completamente perdidos, imagino que da mesma forma como me sinto desde que me entendo por existente em mundo permeado de vazios e paradigmas. Na maioria das vezes, quando os tais retornam para esta realidade esteriotipada, demonstram medo pelos questionamentos de seus próprios valores por parte daquela realidade outra, sequer vislumbrada, ousada, com poder de rompimento em relação ao comum.
Muitos diriam que estou gradualmente enlouquecendo ao verter esta enxurrada de absurdos, o que me leva às mais profundas reflexões sobre os limites da loucura e sanidade em tempos onde a relativização é tamanha que sequer compreendemos de forma consensual as temáticas mais genéricas, o que, insisto, não é essencialmente bom ou ruim.
Diante de tudo isto poderia me enganar e dizer que trata-se de uma fase, momentos passageiros e que tão somente deveria escolher um de meus mundos e viver unicamente nele. Me armando destes clichês acalentaria um conforto ilusório, o que não me permito - ou ao menos não me permito mais - , já que a existência é permeada de coisas e vivências muito maiores que nós mesmos, avessas àquilo que temos por arbítrio ou escolha. A bem da verdade, não escolhemos sequer existir, o que confirma num patamar sólido a convicção de que tudo de fato é passageiro, no sentido de ter início e fim num escopo distinto e incompressível.
Em uma perspetiva ampla e coesa, fica bem claro que não há sentido além daquilo que eu determinar dentro do que se revela determinável ou indeterminável. Seja meu mundo real ou de brumas, tudo ou nada terá seu próprio fim. Pessimismo ou falta de perspectiva? Creio que não. Trata-se de uma visão daqueles que abriram mão da ilusão banal em prol da ilusão do real, esta segunda tão passageira quanto a primeira, mas imersa num princípio de finitude que dá um valor extremo à existência, já que tem cada momento como intenso por ser exatamente eterno enquanto perdura.
Deslumbrando meu próprio ser pelo prisma da bruma subjetiva que me ronda, sou capaz de lançar olhares diferenciados e vivenciar meus próprios mundos outros, na imensidão do grande oceano que há no ser. Andando na bruma respiro o aroma da finitude, que me torna tão único e me diz que em toda grandeza e complexidade do universo os mundos vêm e vão, em seus inícios e fins perdem-se dentro de uma bruma. Quer queiramos ou não, de um jeito ou outro, nossos mundos mergulharão nas sombras, na névoa da noite.
Se ando na bruma, não mais andarei, pois nem mesmo a bruma que traga meu mundo prevalecerá em si. Não me preocupo com a bruma e meu mundo que se insere nela, mas naquilo que vou me transformando à medida em que caminho nesta sina humana, imperfeita, não em busca de certezas inabaláveis, mas na construção de sentidos que façam com que eu olhe para meu ser e me reconheça. Complexo, simples assim...


Escrito por Edward de A. Campanario Neto



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"Nem todo distanciamento é assim tão longe de nós mesmos."
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