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5 de abr. de 2011

O presente devolvido

Ele jamais imaginou o que encontraria pelo percurso de sua vida: o presente devolvido

"(...) Uma distância havia surgido entre ambos que, no momento, se aproximavam tão somente para devolverem o que tinham emprestado um ao outro. (...) 
Tentando não ceder àquele instinto e percepção sombria, o jovem se despediu daquela que um dia fora sua amada. Em suas mãos estava a sacola de livros e cds que ela lhe entregara. Somente ao chegar em casa ele percebeu que, dentro dela, estava o livro que lhe dera de aniversário com tanto amor e carinho. Um presente devolvido, uma farpa na alma, um sabor de fel tomou sua garganta."
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Naquela tarde quente de janeiro ele deixara de lado um pouco da rotina de seus trabalhos no escritório  e pôs-se a pensar em tudo que havia lhe ocorrido nos último dias. Levantando-se vagarosamente, pegou sua xícara e foi em direção à mesa onde ficava a garrafa de café, onde manteve-se de pé, apreciando o sabor da bebida e refletindo sobre os novos rumos de sua vida.
Aquele jovem de olhos mansos e semblante quieto tinha em mente o término de um romance que começara de forma poética e que, aos poucos, foi se desvanecendo mediante caminhos tão difusos que se apresentaram entre seus sonhos e os sonhos de sua amada. A princípio, suas intenções apontavam um desejo de luta por seu amor mas, por fim, chegara por si só à conclusão de que não havia mais sentido em alimentar seus sentimentos, já que ela declarara e agira de forma tão clara quanto ao fim.
Sendo assim, após algumas duras e cortantes palavras, às quais ele reagira com tamanha paciência, foi traçada a linha de separação que, com todas as potenciais problemáticas, presumia a continuidade e manutenção de uma amizade através de um acordo mútuo. Ele havia se tranquilizado com tal desfecho, imaginando que teria como amiga uma pessoa que realmente queria bem, amando e zelando de outra maneira. 
Quando então se encontraram, no fim te uma tarde abafada, ele não já não se sentia muito à vontade em sua presença. Uma distância havia surgido entre ambos que, no momento, se aproximavam tão somente para devolverem o que tinham emprestado um ao outro. Assim ele só respondeu o que ela perguntara, sendo que não teve nem desejo nem forças de querer saber qualquer coisa. No fundo, havia uma tristeza em seu coração, pois um sentimento de amargura rondava sua essência, clamando para algo que não sabia ao certo, mas que parecia palpável. Era, na verdade um desconfiança, uma voz que clamava e insistia: Você é um tolo. Ela vai te ferir.  
Tentando não ceder àquele instinto e percepção sombria, o jovem se despediu daquela que um dia fora sua amada. Em suas mãos estava a sacola de livros e cds que ela lhe entregara. Somente ao chegar em casa ele percebeu que, dentro dela, estava o livro que lhe dera de aniversário com tanto amor e carinho. Um presente devolvido, uma farpa na alma, um sabor de fel tomou sua garganta.
Sentado no sofá de sua sala, sozinho, o jovem, com o livro nas mãos, ouviu de novo aquela voz que antes lhe trazia a distância e a desconfiança. Neste instante não era uma percepção que evidenciava, mas sim um som zombeteiro e cruel que repetia friamente: Eu bem te avisei! Eu sempre soube e você não me ouviu.
Agora ele se perguntava o porquê de tanta frieza. Sabia que havia cometidos erros, que não era perfeito, mas um presente devolvido o fazia se sentir a pior pessoa do mundo. Confuso, ficou dias a pensar naquele fato tão cheio de arestas, tentando não sucumbir ao desejo de ira e amargura que lhe atravessava a alma.
E em meio a estas reflexões sobre aquele presente devolvido, o jovem chegou à conclusão de que a vida seguia seu curso e que não haveria motivos para se prender ao sofrimento causado por escolhas alheias. Tentou se ocupar com suas próprias escolhas e caminhos, tendo ainda mais cuidado para não causar em ninguém a dor que vivera.
Por fim, o livro, o presente devolvido, está em sua estante, aguardando o dia em que será lido como um livro qualquer. Há em seu coração o desejo de folhear as páginas amareladas e adentrar em seu mundo de signos e metáforas, onde a liberdade se faz cativa no papel e livre até onde a mente pode alcançar. Sim, ele irá lê-lo!

Escrito por Edward de A. Campanário Neto
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