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11 de dez. de 2010

Eu descobri que tenho asas - 3ª parte


O sentido da vida e o trilhar do caminho da humildade das asas...

3ª parte do conto Eu descobri que tenho asas (clique nos links e leia o início: 1ª parte - 2ª parte)

"Tudo isso me despertou a consciência de que asas eram somente um ponto de partida, uma chance para a minha vida encontrar seu sentido no mundo. Ao fim, o sentido era mais que voar, rasgar os céus, era, verdadeiramente, o reconhecimento de onde voei, por onde voo agora e por onde voarei. Tal reconhecimento é impossível de se almejar sozinho, em si mesmo, fato que me leva a voar com mais intensidade, a iniciar uma busca pelo ser com que quero dividir a minha vida, o alado que me dará infinitos motivos para eu ser eu mesma, para eu poder voar, voar ainda mais alto..."

Depois de enfim ver que a existência por mim mesma e por meu próprios voos nunca seriam a plenitude de minha vida, passei então a trilhar novos caminhos. Me deixei surpreender, me desprendi dos meus lugares, minha rotina, meu horários, meus conceitos de beleza, minhas certezas mais humanas... Eu vivia e experimentava o novo em doses graduais, vislumbrando algo de grandioso que eu esperava encontrar. Na verdade, esperava o novo que trouxesse um pouco mais de densidade ao meu lugar no mundo, lugar antes tão amorfo e estranho.
E certo dia, batendo minhas asas numa noite cinzenta e fria, em lugares de que eu não me agradava, vislumbrei ao longe um vulto sentado, com a cabeça por entre os joelhos, cantando uma bela canção. Assim como eu, ele portava enormes asas sobre suas costas, tão sedosas e belas. 
De forma suave, com receio de mim mesma e de assustá-lo, me aproximei bem devagar. Já estando bem perto, toquei suas asas com as pontas das minhas e, com a voz trêmula, perguntei por seu nome. Ele, virando-se de forma gentil e com olhos tão mansos, levantou-se, tocou meu rosto com a mão esquerda e, com a mão direita, fez um sinal semelhante a um cumprimento aos céus, me convidando para voar.
E nós voamos por horas afinco naquela noite que deixou seu tom de cinza para adquirir um significado multi-colorido em meu coração. No topo de um eucalipto que rasgava os céus, nos sentamos e, como seres que haviam sido criados em uma divina completude, nos amamos e declaramos um ao outro palavras de amor.
Tudo era tão belo ao lado daquele ser... eu me sentia dona de tudo e nada, dona de mim, mas, ao mesmo tempo, perdida de mim mesma, somente encontrada nos braços suaves e nas asas de meu amado, de meu pedaço fora de mim que agora voltava ao seu lugar.
E enquanto eu vivia aquele momento tão único, tão envolvente, tão pulsante, quando percebi, meu amado se desvencilhou de meus braços. Alçou um voo brusco em direção ao alto, lançando-me um olhar extremamente manso e belo, mas dotado de mistério. Suas palavras ecoaram como um trovão em meio ao silêncio nas brumas: Você voa em liberdade, mas tem um coração tão altivo. Chegou a hora de alçar o voo do seu próprio coração. É preciso abandonar os céus que há dentro dele e buscar a firmeza do solo. É preciso descer ao abismo para que jamais você venha cair nele novamente. Você precisa alcançar a humildade das asas."
As palavras vieram como agulhas por todo meu corpo. Eu me perguntava o que mais era preciso ser feito, o que faltava e do que exatamente falava aquela ser que se postava diante de mim com propostas que pareciam ter nascido das fontes que ficam entre a fronteira da vida e da morte. Voltar ao abismo, abandonar meu coração coração? Como assim? Eu já mudara o bastante... 
Pensativa, eu fitava os olhos de meu amado. Na beleza e serenidade dos mesmos, percebi que havia razões para suas palavras, o que me levou a me erguer e aceitar sua proposta. Uma escolha que eu não sabia como começaria ou terminaria, mas que ao momento se revelava como mais uma porta que se a abria para que eu não me diluísse no encanto das nações, na ilusão da vida ou em meus farrapos de verdades.
E eu o segui. Fui levada a uma floresta densa e escura, um lugar descolado do tempo e do espaço. Lá só havia trevas, frio e silêncio. Só havia uma entrada, sendo que a saída era por esta mesma entrada, mas de forma confusa e estranha que meu entendimento não é capaz de fazer compreendido. Era um portão de ferro que se erguia com a seguinte inscrição: "Grande Revelação - A única saída para o abismo da existência é o caminho da entrada."
Entregando-me uma lamparina nas mãos, ele me deixou junto ao portão, que esteve aberto até eu entrar. Antes que eu tomasse a direção da floresta, ele balbuciou: Não tenha medo. Este lugar é o lugar onde você sempre esteve, o lugar onde estará por um bom tempo e lugar que um dia dia deixará definitivamente. A diferença que seus olhos precisam ver de outro modo. Você vai descobrir o seu sentido real, o sentido de suas asas.
Fechando os olhos por um instante e suspirando profundamente, minhas asas começaram a adormecer de forma suave. Naquele lugar era somente eu, a luz da lamparina, a entrada, a saída, aquilo que me fez entrar e que me faria sair... e tudo mais que eu nunca havia enxergado por não conceber a humildade das asas... 

Escrito por Edward de A. Campanário Neto

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