Páginas

16 de fev. de 2011

A fácil (e falsa) transcendência

Em meio aos reais conceitos sobre os significados da vida surge diante de nossos olhos uma saída fácil e vazia, uma fácil (e falsa) transcendência

"A fácil transcendência emerge como um conceito deturpado sobre as reflexões existenciais. A princípio ela mostra-se generosa e acolhedora das mazelas e dúvidas humanas, mas, por fim, tem em sua fundamentação princípios vazios sobre uma plenitude mediante à compreensão do Todo. Estes princípios apontam e debatem leis universais e forças regedoras e sustenedoras do mundo material ou imaterial, mas sempre têm como meta ou ponto de chegada uma apropriação cinzenta das mesmas para alcançar prazeres materiais ou objetivos unicamente individuais."
__________________________________________________________

Pensar sobre a vida e sobre a existência requer muita reflexão, além de uma visão ampla que não seja um tanto utópica ou demasiadamente realista. Por assim dizer, o ato de lançar olhares sobre a grande questão que compõe o sentido e razão de nossa essência é muito mais que uma leitura rasa ou prática dos fatos. Para fazê-lo é preciso abdicar de certos conceitos e coisas aparentemente óbvias ou benéficas e buscar uma relação marcada por algo que não só transgrida, mas que ultrapasse as fronteiras do ser, que clamem por uma transcendência mediante ao Tudo.
E tomar um caminho reflexivo que aponte para a transcendência é algo verdadeiramente complexo, pois o próprio conceito de uma lógica pautada em um sentido maior que o ser pensante e que o mundo à sua volta já revela-se um desafio a ser conquistado, um muro a ser transpassado. Digo isto por crer que máxima da essência que trouxe à existência o Tudo está profundamente relacionada com conceitos e valores voltados à doação, à negação do ego, ao coletivo acima do indivíduo e à extrema valorização da simplicidade em sua relação com as coisas que definimos como grandiosas.
A transcendência tem na simplicidade a destreza e habilidade de um Criador que das ínfimas partículas do universo criou as mais fantásticas obras e criaturas. O mundo, assim como a vida, ainda que com as mazelas por nós criadas ao longo da história da humanidade, mostra-se pré-existente à nossa vontade, e, acima de tudo, ainda está sustentado. Assim temos o vislumbre do conhecimento que nos revela um cosmos em harmonia, já que somos como planeta terra uma reles esfera de areia em um infinito jardim de bilhões ou até trilhões de estrelas e planetas. Daí observa-se que houve, por parte do Grande Arquiteto, uma esforço de criação e sustentação, um zelo pela obra de suas mãos. Ele não precisava de nós e jamais precisaria, mas se importou em estender sua criatividade e favor, doou-se em nosso favor.
Sendo assim, fica claro que o sentido da vida está muito distante que qualquer razão que não esteja firmada nos princípios que regeram a criação do universo. Não há razão na existência além da mesma razão que trouxe à tona o existir de todos nós, mas insistimos em crer no contrário. Surge então, de uma deturpação das leis universais, o conceito de fácil transcendência.
A fácil transcendência emerge como um conceito deturpado sobre as reflexões existenciais. A princípio ela mostra-se generosa e acolhedora das mazelas e dúvidas humanas, mas, por fim, tem em sua fundamentação princípios vazios sobre uma plenitude mediante à compreensão do Todo. Estes princípios apontam e debatem leis universais e forças regedoras e sustenedoras do mundo material ou imaterial, mas sempre têm como meta ou ponto de chegada uma apropriação cinzenta das mesmas para alcançar prazeres materiais ou objetivos unicamente individuais.
Não seria esta uma falsa transcendência? Ela é caminho mais fácil e ilusório para a visão de inserção do individuo em seu lugar no mundo. Consequentemente, lança este mesmo indivíduo em um caldeirão de crenças inúteis que só servem como justificativas para suas dores e, pior, um trampolim de absurdos para que as supere e alcance seus objetivos e sonhos mais estranhos, mais materialistas.
Infelizmente a transcendência torta tem sido o grande motor dos ânimos das últimas décadas. Ela está presente nos livros mais vendidos e no repertório de frases prontas de uns ou outros que alegam às suas leis universais sucesso financeiro, profissional e espiritual. A partir daí passou a compor a vida de gente comum e sofrida que logo se encanta por uma oportunidade de crescer na escala de poder deste mundo cruel de nossos dias.
A vivência apressada de nossos moldes sociais somada à busca de respostas fáceis e imediatistas compuseram o repertório perfeito para que a real transcendência fosse substituída pela fácil transcendência, caminho onde se procura somente um jeito de burlar as regras do jogo para o recebimento merecido de bens inalcançáveis.
E pensando somente em tornarem-se manipuladoras dos fatos pelo prazer ou realização material, a doação é substituída por vazios conceitos de "leis de atração", "pensamento positivo" e "mentalização". Desta forma a transcendência, que deveria situar o ser como parte do Todo, é lançada à lixeira da humanidade, o que intensifica seu ciclo vicioso de egoísmo e individualização das relações, de desigualdade social e de um sem número de mazelas que destroem a vida.
A todo tempo nos vem sorrateira e amigável a proposta da fácil transcendência. Seja por um livro, uma palestra ou uma lista de ações, ela nos prometerá sucesso, fama, glamour, riqueza, saúde e felicidade. Tudo será muito simples de realizar e alcançar. Ela sussurrará em nossos ouvidos: "Você pode!" Dirá que depende unicamente de nós mesmos a busca de nosso lugar no mundo e nossa satisfação, dirá que podemos tudo o que somos capazes de desejar.
É certo que ela virá! Portanto, respire fundo e olhe para si e à sua volta. Renuncie à falsa e fácil transcendência e busque a real, aparentemente menos pulsante, mas verdadeiramente cheia de sentido, beleza e significação para esta jornada chamada vida!

Escrito por Edward de A. Campanário Neto
__________________________________________________________

Nenhum comentário: