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15 de fev. de 2011

A ferrugem da alma


De forma sutil permitimos que nossa alma se torne fria e dura como ferro. Tão logo ela é corroída pela ferrugem. 

"A alma exagerada acaba por revestir-se de uma rigidez de ferro. De início a aparência metálica e imponente estampa brilho e vigor, mas, posteriormente, começa a revelar a oxidação em meio à existência. A essência das coisas que serviriam para oxigenar a alma, acabam por enferrujá-la e oxidar sua força.
(...) E na inquieta alma de ferro cada mudança ou processo revela-se demasiadamente absurdo. Diante do calor do amor e da simplicidade ela se aquece ao ponto de queimar-se; diante do frio das dores e dilemas ela desaba em temperaturas insuportavelmente baixas. Assim, quando nos negamos a refletir e aprender sobre nosso real sentido, nos vemos em situações que clamam somente ao afastamento, pois nossa enferrujada e cansada alma tudo sofre em exagero."
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No curso da vida, se pensarmos profundamente, concluiremos que existem esparsas questões que podem ser consideradas inerentes a todos nós. Uma delas, que observo com tamanha preciosidade, é o aprendizado. Toda a humanidade, independentemente de sua condição social, política, histórica, religiosa ou cultural, tem diante de si o viés de aprender em meio a todos os fatos que estão à sua volta.
O aprendizado revela-se como uma das bases de nossa estrutura biológica, sendo que vou além, imaginando que faça parte também de nossa essência imaterial. Sendo assim, ainda que cenários se mostrem difusos e complexos, sempre haverá uma centelha em nosso ser nos induzindo e conduzindo a um estado de apropriação da realidade e potencialidades de intervenção sobre a mesma.
Fica bastante claro que o aprendizado está em nossa essência, mas, como a imperfeição e limitação também nos compõem, por inúmeras vezes nos tornamos vítimas de nossos próprios enganos e ilusões. Essa vitimização de nós por nós mesmos se dá em momentos cruciais onde nos permitimos ceder à distração e, ao fim,  lançamos nossa percepção no abismo frio e profundo onde aprendizados potenciais são transformados em reflexões rasas e equivocadas.
Verdadeiramente é muito complexo seguir uma caminhada de vida pautada em aprender mediante erros e acertos. Por mais que consideremos esta proposta como ideal, se não houver uma reflexão constante sobre nossa essência, nossos desejos e nossos porquês, sempre retornamos à intrepidez estranha de nosso ego, que sempre e sempre nos encerra nas mesmas justificativas quanto ao mundo e à vida: o prazer desenfreado, a certeza extrema de nossos valores, a mediocridade de nossa ética, o censo de justiça pautado em nossas mágoas e, acima de tudo, na visão de tudo o que diz respeito a nós mesmos está acima de nossos semelhantes e da própria existência.
Trilhar o caminho que nos leva a questionar a nós mesmos é parte do segredo para aprender a melodia da existência e a plenitude do ser. Sem questionamento à nossa essência e aos rumos de nossa jornada perdemos a capacidade de ouvir o outro e, em um estado mais deplorável da alma, nos usurpamos de nos situarmos em seu lugar. Desta forma, nunca conseguindo nos ver na dor ou alegria de nossos semelhantes, somos lançados por nossas certezas em uma bruma de ilusões onde perdemos a noção quase que total de nossa sintonia com a orquestra da Criação.
Com a alma em trapos, doente de não distinguir no outro o padrão e a essência das coisas, uma exacerbação putrefa e sedenta nos consome e nos afoga em conceitos contraditórios, de forma que somos levados a crer cegamante em uma felicidade fundada no exagero constante e absurdo ou em uma outra felicidade inalcançável e distante.
A alma exagerada acaba por revestir-se de uma rigidez de ferro. De início a aparência metálica e imponente estampa brilho e vigor, mas, posteriormente, começa a revelar a oxidação em meio à existência. A essência das coisas que serviriam para oxigenar a alma, acabam por enferrujá-la e oxidar sua força.
Digo isto por acreditar que tanto dores quanto alegrias que brotam à nossa volta e diante de nossos olhos é que são capazes de nos apontar propostas que não permitam que nossa vida caia no marasmo e vazio. É necessário aprendermos tanto com a dor quanto com o prazer de nosso semelhantes. Sendo solícitos aos momentos bons e ruins dos que nos cercam é que nos dará o diferencial para vivermos nossos próprios momentos, de forma que nossa alma não ceda à frieza do ferro que tão logo enferruja.
E na inquieta alma de ferro cada mudança ou processo revela-se demasiadamente absurdo. Diante do calor do amor e da simplicidade ela se aquece ao ponto de queimar-se; diante do frio das dores e dilemas ela desaba em temperaturas insuportavelmente baixas. Assim, quando nos negamos a refletir e aprender sobre nosso real sentido, nos vemos em situações que clamam somente ao afastamento, pois nossa enferrujada e cansada alma tudo sofre em exagero.
A distância e perdição em nosso ser é um escape mediante ao conceito vazio ao qual nos permitimos acreditar. Nesse estado tudo ou quase tudo que vivemos são fragmentos e farrapos das coisas mais nobres e do propósito que há em nossa constituição, na plenitude para qual somos e existimos.
A espessa lâmina de ferro espreita para cobrir nossas almas com uma falsa oferta de proteção e exclusividade é uma ameaça real. Mais que a lâmina, espreita ainda a ferrugem que de todo quer nos devorar, utilizando-se das coisas ora mais banais ou simples como o armas mortíferas. Para vencê-la é preciso medir os passos da existência, respirar os ares da reflexão e vislumbrar a busca do real sentido que há além de nossas próprias vontades e que está de fato em nossa doação aos que nos cercam. 

Escrito por Edward de A. Campanário Neto
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