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8 de jan. de 2011

Histórias de borboleta

As borboletas e sua majestade em nos levar a pensar sobre as fontes da existência

"Meio contrariado, eu logo peço um pouco de silêncio: "Está no hora de dormir, menina!" E ela, ficando quieta por alguns segundos, me abraça e pede docemente para que eu conte uma história. "E que história você quer eu conte?" - pergunto. A resposta: "Conta uma história de borboletinha, tio!"

Já passam das nove da noite. Aos poucos a agitação do dia e da rotina vão se abrandando e silenciando. "Está na hora de dormir, minha flor!" Eu digo, levando nos braços a criança que alegra meu dias. Sorrindo, ela segura minhas mãos e gentilmente me questiona: "Você vai dormir comigo?" Em concordância, demonstro que sim e assim seguimos o caminho até a cama, onde nos deitamos e se iniciam momentos tão belos e graciosos.
Estando cansado, eu me recosto já sonolento. Meu desejo é que ela pegue logo no sono para que eu me levante antes que o sono me domine, coisa que não pode nem deve acontecer, pois há sempre muito o que se fazer e resolver. Então aquele pedacinho de gente começa e se remexer e resmungar. Vira para um lado e para outro, despejando uma enxurrada de palavras que vão de fatos do dia, elogios ao seu bom comportamento, desculpas de suas teimosias... A pequena notável pede também carinhos e afagos: "Faz carinho na minha cabeça... Não, tio! Mais prá cima, mais prá baixo..."
Meio contrariado, eu logo peço um pouco de silêncio: "Está no hora de dormir, menina!" E ela, ficando quieta por alguns segundos, me abraça e pede docemente para que eu conte uma história. "E que história você quer eu conte?" - pergunto. A resposta: "Conta uma história de borboletinha, tio!"
E assim o é. Para atender à demanda da fonte de inocência e curiosidade que está ao meu lado, conto anedotas simples de borboletas que voam por flores, que escapam de sapos, que desobedecem suas "mães-borboletas"...    E assim tudo se transforma, se mostra belo e sereno após estas palavras. Sim, e estes minúsculos mosaicos revelam-se são tão importantes para o desenvolvimento deste pequeno ser, que parte de uma realidade inventada, imaginária, para aos poucos adentrar no mundo, se compreender em meio à existência...
Pouco após ao término dos contos fica a sensação de sossego. Minha pequena começa a respirar mais profundamente e, quando percebo, já se encontra em seu sono tão inspirador e gracioso.Eu me levanto e fico a pensar na simplicidade das crianças e também na complexidade das borboletas...
As histórias de borboletas sempre me fazem recordar da criança que fui e da admiração que tinha por estas criaturas tão fantásticas. Elas me inspiravam tanta liberdade, sentido de vida e desejo de voar. As cores das borboletas eram as cores com que eu queria colorir meu mundo, e eu sonhava poder conversar com elas, tê-las em meu ombro ou na janela de minha casa.
Certa vez, quando tinha nada mais que sete anos de idade, ganhei um dinheiro para jogar no bicho, prática tão comum no lugar onde vivíamos. O jogo abrangia crianças e adultos, sendo parte do entretenimento de famílias e ganha-pão de homens e mulheres que nada tinham de criminosos. 
Tendo a oportunidade de escolher o bicho em que jogaria e apostaria meu dinheiro (alguns poucos cruzeiros que nada valiam), não exitei ou pensei duas vezes: escolhi a borboleta. O bicheiro, rindo, chegou a zombar de minha escolha: "A borboleta é o bicho que menos sai. Joga em outro melhor!" Relutante, mantive minha aposta na borboleta, pois ela tinha o seu valor em meu mundo. 
E todo aquele dia correu na ansiedade pelo sorteio do jogo-de-bicho. Ao seu fim, com o resultado, exultei de alegria! A borboleta tinha sido sorteada e saiu "na cabeça". Foi uma satisfação imensa, que até hoje me emociono ao recordar... 
Refletindo sobre tais acontecimentos não almejo lançar um olhar místico às borboletas, mas evidenciar o quanto sua beleza possui o potencial de inspiração para um sem número de abstrações sobre a vida, sobre a existência e nosso espaço em meio ao tudo e o nada.
As borboletas sempre nos convidam a olharmos para os ciclos da vida, o bons e maus momentos. Elas nos dizem respeito às nossas fases de lagartas, onde devoramos tudo e todos à nossa volta. Também nos induzem a pensar nas fases de casulo, períodos onde nos trancamos em nosso próprio mundo, para nosso bem ou mal. Por fim, elevam nossa consciência à necessidade e ordem natural da transformação: fomos criados para as boas obras, necessitamos abandonar nossos casulos e voar em graça e beleza, levando a vida em um sentido pleno... Salientando que pensar em borboletas nos conduz a vislumbrar flores, folhas, primavera, ventos...
Por tais razões e emoções eu desejo ser um eterno contador de histórias de borboletas. Não quero só contá-las, mas vivê-las. Eu anseio por contemplar as borboletas e aprender com elas os caminhos que me levam à transformação diante do projeto do Criador para com a existência, para com a vida.
Ah... e nos dias que minha pequena flor não dorme depois das histórias, dou-lhe um beijo no rosto e acaricio seus cabelos: "Durma com Deus, meu bem. Amanhã eu te conto mais uma história de borboleta..."  

Escrito por Edward de A. Campanário, em um vislumbre sobre a beleza das borboletas... 

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