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5 de jan. de 2011

Eu descobri que tenho asas - Final

Em meio à floresta densa e escura há um sentido que desponta como luz... o verdadeiro sentido da existência

Final  do conto Eu descobri que tenho asas (clique nos links e leia o início: 1ª parte - 2ª parte - 3ª parte

"Fechando os olhos por um instante e suspirando profundamente, minhas asas começaram a adormecer de forma suave. Naquele lugar era somente eu, a luz da lamparina, a entrada, a saída, aquilo que me fez entrar e que me faria sair... e tudo mais que eu nunca havia enxergado por não conceber a humildade das asas..."
E adentrando para aquele tão misterioso caminho, minhas asas encolheram-se como se estivessem mortas. Ali eu entendi que meu aprendizado teria que ser trilhado a passos e não voos. Eu sequer imaginava o que ou quem me aguardava, mas, por fim, não temia. Sentia uma segurança que não sabia de onde vinha.
Eu só escutava o som de meus passos e a tranquilidade de minha respiração. Meu silêncio só foi quebrado por um ruído estranho vindo dos arbustos, acompanhado de um grito desesperador. Era um homem completamente desfigurado e ferido, se arrastando de forma sofrível pelo chão.
- Por favor! Me ajude! Alivie minhas dores. Eu não aguenta mais este tormento...
Fiquei desesperada diante dele. Me aproximando, vi que ele portava asas grandes, mas completamente destruídas. Fui então ao seu socorro, percebendo que seus ossos estavam completamente quebrados, eram dezenas de fraturas. Estendi minha mão e comecei a lhe fazer perguntas sobre o que havia acontecido, tentando pensar em alguma coisa.
Então o homem começou a falar. Disse que havia recebido a grande chance das asas e buscou o egoísmo das alturas. Voou a altitudes cada vez maiores, até o dia em que suas asas não o suportaram, provocando a queda que despedaçou seu corpo. O problema não havia sido a altura em si, mas o fato de ele estar sozinho, sem ninguém que o amparasse na queda.
Percebi o sentido que havia em ter asas em relação aos lugares que se almeja e, acima de tudo, a diferença que há na humildade, em detrimento de se lançar a projetos de forma egoísta e individual. Além de ficar claro que temos nossas limitações, arrazoei sobre a verdade essencial de que não nos bastamos. Podemos cair e a queda pode nos destruir, principalmente se estivermos muito além do chão.
E pensando sobre isso, percebi que meus olhos estavam fechados. Quando eu os abri o homem já não estava diante de mim. Então eu me ergui e segui minha jornada.
Mais à frente, vi o vulto de alguém sentado em uma pedra. Suas asas eram imensas e belas, muito maiores que as minhas, mas os braços e pernas estavam completamente flácidos e entrevados. Era uma mulher de meia-idade, sussurrando coisas que a princípio não entendi.
Eu andei e parei em sua frente, pedindo informações sobre como prosseguir. As respostas que obtive foram somente lamentações sobre a vida. Ela falava somente da beleza de suas asas e do cuidado que tinha com elas. Hesitava em usá-las por medo de estragar sua beleza, alisando-as e penteando-as.
- Eu não quero perder a beleza das minhas asas. Olhe como as suas como estão opacas. Isso é o desgaste do vento, da chuva, do tempo... Se eu fosse você eu não voaria como elas por um tempo. Eu pretendo manter as minhas bem conservadas para um momento especial.
Diante das palavras eu me calei. Aquela pobre mulher se iludia na vaidade de suas asas, já que nenhum momento seria especial o suficiente para romper com sua obsessão. A vida passara e passaria muito mais, sendo que possivelmente se encerraria em meio à solidão vinda do custo da beleza tão fútil que se esmerava. Eu me despedi e continuei a andar.
E em meu caminho eu encontrei mais e mais pessoas, todas elas em uma dissonância latente em relação às suas asas: havia um homem que arrancara suas asas e as vendera devido ao alto valor que um laboratório de pesquisas ofereceu; uma senhora simplesmente não gostou das asas e ateou fogo nas mesmas, pois não aceitava mudar sua estrutura, que acabou transtornada pelo fogo; um jovem contava experiências de sua prisão em um circo, já que havia se exibido para quem não devia, sendo capturado e mantido em uma jaula por anos; as asas de um senhor se secaram misteriosamente depois de passar anos perseguindo e acusando pessoas de serem imerecedoras de suas asas.
Depois de muito andar, ver e ouvir, seguindo sempre em linha reta, curiosamente eu estava de volta ao grande portão de ferro que havia deixado para trás na trilha. Só que desta vez ele estava fechado. Eu parei    diante dele e avistei uma criança assentada ao lado do cadeado preso a uma grossa corrente que estendia até o chão, que me dirigiu a palavra:
- Você acha que é capaz de deixar este lugar? Será que desvendou o grande mistério da existência?
Respirando fundo, eu fitei em seus olhos e lhe disse o que sentia:
- Sim, eu creio que sim.
Ele então apontou para o cadeado e o grande portão e me disse mais algumas palavras:
- Vejamos se conseguirá sair... Diga-me então o que viu e o que há por trás das asas e o mistério.
Criando coragem, eu abri meus lábios, fechei meus olhos e deixei que as palavras jorrassem de meu coração:
- Eu tinha uma vida tão miserável que quis me lançar à morte. Recebi uma oportunidade única, recebi minhas asas e passei a ver novos sentidos para a vida. Mas só isso não me foi suficiente. Era necessário que eu visse o que vi aqui. Este lugar é a metáfora da vida, uma reprodução de como as pessoas reagem com as oportunidades que recebem em meio aos seus momentos de desespero.
Com isso tudo percebi que as asas não são a solução para as dores. A solução está na essência de onde e como lançaremos os voos. Sei que não cedi aos mesmos erros das pessoas que vi pelo fato de ter encontrado alguém que me trouxesse aqui para que eu aprendesse sobre como permitimos que nossas dádivas sejam enquadradas em nossos padrões equivocados de solidão, vaidade, ganância, prepotência... Agora sei como voar, já que vislumbrei o suficiente para não perder e não sujeitar a bênção de minhas asas ao domínio de minhas más escolhas.      
Sei que as saídas para os dilemas desta existência, por fim, se encontram no caminho de entrada, pela mãos do Criador, que aqui me lançou. Foi Ele e não eu que me trouxe à existência, portanto, necessito me entregar para que eu mesma não me destrua.
E ditas as minhas palavras, abri novamente meus olhos. O menino deu um longo e largo sorriso, fazendo-me uma nova pergunta:
- E o que fazer agora com suas asas?
De forma simples e com meu coração confortado, também lhe sorri, respondendo:
-  Vou fazer o que foi feito por mim sem que eu merecesse. Mostrarei às pessoas que elas podem alcançar asas e voar. Lhes mostrarei como encontrar o caminho da humildade das asas...
E dito isto, o grande portão iluminou-se e abriu. Toda sombra e bruma se esvaneceram diante do grande sol que despontou no céu. Minhas asas se estenderam novamente, muito mais vigorosas que antes.
Meu amado me esperava do outro lado do portão. Segurei suas mãos e juntos rasgamos o céu entoando uma canção de gratidão e esperança. Seguiríamos nosso rumo a desvendar com nossos semelhantes a beleza que havia em voar e compartilhar do significado eterno e imutável das asas.

Escrito por Edward de A. Campanário Neto.

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