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26 de jan. de 2011

A janela do passado

Você tem coragem de abrir a janela do passado?

"Nem tudo que passou ficou perdido ou se esvaneceu no tempo. Querendo ou não, o passado faz parte de nossa constituição, mostrando-se mais presente do que imaginamos. Por lá deixamos coisas boas e ruins, aprendizados para darmos prosseguimento ao delinear das rotas da vida. Eles se mostram importantes para não nos perdemos nos momentos em que se faz tão preciso termos trilhado um caminho de reflexão capaz de nos tirar da inação ou morosidade do presente ou, ainda, da sina desesperada que nos conduz a adentrar em um processo de reações automáticas diante do tudo.
(...) Enfim, o passado é janela da sensatez que se abre de forma sábia em meio ao caos do por vir. Debruçar- se em tal janela no decorrer de nossos os dias não é o mesmo que uma cegueira de querer refazer todos os passos, mas saber por onde se deram tais passos e para onde te conduziram, te conduzirão..."

Em nosso mundo tão estranho as vivências mostram-se cada vez mais diluídas sob as perspectivas do imediato. Isso tem como consequência clara a grande confusão que criamos em torno da existência e em meio ao carretel por onde escorrega o fio da vida: o tempo. Nossas vistas tornaram-se embaçadas diante da vivência do presente, mediante um futuro incerto e sem sentido e, por fim, do desejo que nos torna servos da premente negação do passado em quase todas suas esferas.
Pensando no momento, a humanidade deixou de arrazoar sobre as experiências antes vividas. Tanto erros como acertos têm sido jogados no mesmo balaio da insensatez, o balaio da mentira de que o passado não importa, que deve ser esquecido e substituído pelo presente e pelo futuro. Mas como pensar em futuro se não há passado? Não é o passado o hoje que se encerrou no tempo? 
Estas perguntas e suas potenciais respostas me dizem o quanto estamos perdidos em relação ao passado. O ignorando nos tornamos hipócritas de nossas próprias histórias, mentimos para nós mesmos e nos lançamos na perdição vazia de se viver o "hoje" para um "amanhã" cada vez mais longe da essência que há em nós, que há na vida. 
Muito deste discurso sobre o passado vem daquele nosso desejo de controle sobre nossas vidas, que eu insisto ser tão equivocado. Neste engano assumimos e declaramos sermos os portadores individuais de nossa existência. Geralmente nos postamos asteando uma bandeira fajuta de auto-afirmação que tremula sombria a emanação de conceitos turvos de uma suposta independência.
Mas que independência seria esta? Bem, cremos que esta seria a liberdade de viver o hoje e planejar o amanhã sem nos vermos "manipulados" pelas supostas amarras do passado, as arestas de nossa história. Batemos no peito e repetimos os jargões de que "passado é coisa de museu" e que "águas passadas não movem moinhos". E isso é realmente verdade? Não é estranho um conceito de liberdade que apaga trechos de nossas vidas com afirmações vazias? 
Considero que a grande verdade por trás de toda esta lógica revela-se no medo e no escapismo de nós mesmos, de nossos augúrios e até mesmo de nossa felicidade. Temos medo de enfrentar o dias passados de perdas e ganhos diante do hoje e, mais ainda, diante do amanhã que espreita tão vacilante. Nos achamos no direito de não refletir sobre as dores de tempos remotos com medo de macular a alegria presente, sendo que, por muitas vezes, tentamos esquecer a felicidade ou inocência que tivemos para não termos que enfrentar e questionar os frangalhos de nossa atual existência.
Nem tudo que passou ficou perdido ou se desvaneceu no tempo. Querendo ou não, o passado faz parte de nossa constituição, mostrando-se mais presente do que imaginamos. Por lá deixamos coisas boas e ruins, aprendizados para darmos prosseguimento ao delinear das rotas da vida. Eles se mostram importantes para não nos perdemos nos momentos em que se faz tão preciso termos trilhado um caminho de reflexão capaz de nos tirar da inação ou morosidade do presente ou, ainda, da sina desesperada que nos conduz a adentrar em um processo de reações automáticas diante do tudo.
Não é fraqueza olhar para a perda sofrida, sentir falta do que passou ou chorar por caminhos tortos trilhados no passado. É preciso enfrentar as atitudes monstruosas que um dia tomamos e expressar arrependimento em relação às mesmas, pois dizer que se errou por amar, por ignorância, por medo ou por ser muito jovem é buscar justificar o injustificável. Olhar para uma vida de falhas e dizer que a repetiria se o tempo pudesse voltar é o mesmo que admitir que está viva a parte sombria do ser e que não há desejo de extirpá-la.
Olhando para o passado temos oportunidades para não cometermos os mesmos erros. Lá podemos nos lançar para partes de nós esquecidas ou modificadas pelo sabor do tempo e do curso de nossas vidas. Sim, podemos enxergar que um dia fomos realmente felizes, que não éramos tão desconfiados, que amávamos sem julgar, que éramos bem menos fúteis ou esquisitos em relação à vida.
O passado lembra ao médico que trata seus pacientes como lixo que houve um juramento; o passado rememora ao casal em separação o amor que havia em um simples olhar quando ainda eram namorados, lembra da promessa de amor feita um ao outro mesmo diante das dificuldades; o passado traz à tona ao professor de que um dia ele também foi criança e o quanto achava a escola chata; o passado mostra que as ofensas que sofremos não são piores que as que fomos capazes de infringir aos nosso semelhantes; o passado diz que devemos perdoar pois fomos perdoados; o passado nos inspira a tentar mais uma vez, pois tentativas outras tiveram sucesso...
Enfim, o passado é janela da sensatez que se abre de forma sábia em meio ao caos do por vir. Debruçar- se em tal janela no decorrer de nossos os dias não é o mesmo que uma cegueira de querer refazer todos os passos, mas saber por onde se deram tais passos e para onde te conduziram, te conduzirão...
Toda esta reflexão me traz o desejo de abrir as janelas de meu passado e assim vislumbrar para o hoje e amanhã coisas tão boas e belas que ficaram para trás. Quero pensar na inocência de menino, na simplicidade de minha antiga casa, nas pessoas tão queridas, na fé que foi o esteio para que eu mantivesse a crença na beleza da vida.
Desejo também aprender com os erros que cometi tantas e tantas vezes, já que muitos destes erros ainda podem ser consertados. Quero me reaproximar de pessoas de que me deixei perder, abandonar  projetos e conceitos tortos que há muito sei que não me fazem bem e, por fim, debruçar na janela deste meu passado e cantar um canção que fale das coisas belas e torpes do que se passou, de forma que toda a melodia se transforme em alento para o hoje, o amanhã e para a esperança de uma eternidade que eu creio existir... 

Escrito por Edward de A. Campanário Neto

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