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21 de jan. de 2011

Vontade de viajar...

Minhas curtas viagens de idas e vindas observando os fatos me dão apontamentos sobre a vida, sobre a perda... me levam a refletir sobre vontade de viajar em meio às tribulações da existência.

"Após uma pequena pausa nas palavras, o jovem esboçou certa tranquilidade em seu semblante. Começou a falar de dias novos, de levar a vida adiante e de uma vontade de viajar. Na verdade, estava retomando o caminho de uma viagem há tanto adiada, tinha como anseio aproveita-la como momento sensato para rever certas coisas e dar-se um descanso mediante à perda e ao novo trazido pelo fim de um relacionamento que demonstrava ter sido tão duradouro.
(...) Quando somos feridos temos a tendência estranha de nos escondermos ou simplesmente nos mostrarmos em tom agressivo e vingativo. Ah! E como pensar na vontade de viajar tornaria tudo tão diferente e mais fácil de ser compreendido. Viajar, ver a vida, ver a beleza que há em viver mesmo depois da perda. Simplesmente bradar de dentro da alma que sofre: Eu vou sobreviver!"


Por esses dias, enquanto voltava de ônibus para casa, algo despertou minha atenção. Eu estava sonolento devido ao cansaço do dia e à morosidade do trajeto de volta, quase cochilando fui tomado de súbito por uma situação que muito me marcou.
À minha frente havia um rapaz gesticulava e falava ao telefone celular. Havia acabado de terminar seu relacionamento e compartilhava com alguém os augúrios do que havia vivido. Um de seus braços, estendido pela janela, movia-se de forma serena aos movimentos do vento da tarde abafada de verão. Não se percebia fúria em seus gestos ou manifestações de ira em seu porte, mas suas palavras expuseram as marcas deixadas e a sensação de palavras ouvidas, ditas ou sequer pronunciadas ao fim daquela paixão.
Por um momento, naquela conversa que se estendia pelos minutos à dentro, conversa esta que ecoava pelo corredor do ônibus, de forma que eu não era o único ouvinte, ficou clara a dor e ressentimento no coração daquele jovem. Ele dizia o quanto teve desejo de humilhar a pessoa que o abandonara e que também o humilhara de forma cruel, sendo agressiva, áspera, vingativa e fria ao extremo do se poderia pensar. Porém, em meio à lamentação do tratamento que recebara, o rapaz confessou que por mais que desejasse devolver as ofensas, não foi capaz de fazê-lo. Sentia dentro de si o ódio do abandono, mas não conseguiu vê-lo como suficiente ou justificável para transformá-lo em atitudes vingativas.
E eu fiquei pensando... Meu Deus! Sou do tipo que escrevo sobre sentir e agir e, diante de meus olhos, vejo um rapaz com jeito "marrento" me dando lições sobre como domar os sentimentos e não permitir que os mesmo extravasem trazendo mais e mais dores. Muita ousadia e coragem assumir o ódio que sente e dizer para este mesmo ódio, em tom de desafio, que não é capaz de vencer suas concepções sobre o que se sente e o que se deve fazer diante dos sentimentos.
Após uma pequena pausa nas palavras, o jovem esboçou certa tranquilidade em seu semblante. Começou a falar de dias novos, de levar a vida adiante e de uma vontade de viajar. Na verdade, estava retomando o caminho de uma viagem há tanto adiada, tinha como anseio aproveita-la como momento sensato para rever certas coisas e dar-se um descanso mediante à perda e ao novo trazido pelo fim de um relacionamento que demonstrava ter sido tão duradouro.
E assim eu continuei pensando... Refleti sobre os momentos de perdas, as situações de dor e ego ferido. Nestas horas se revelam tantas sombras dentro de nosso ser. Muitas vezes estas sombras nos guiam para lugares tão confusos que, por fim, encerram nosso ser na justificativa do ato de prevalecer de nossos desejos de vingança e reparação.
Quando somos feridos temos a tendência estranha de nos escondermos ou simplesmente nos mostrarmos em tom agressivo e vingativo. Ah! E como pensar na vontade de viajar tornaria tudo tão diferente e mais fácil de ser compreendido. Viajar, ver a vida, ver a beleza que há em viver mesmo depois da perda. Simplesmente bradar de dentro da alma que sofre: Eu vou sobreviver!
Aquele rapaz de semblante ferido pensava em viajar para um lugar de descanso, uma cidade pacata onde viviam pessoas queridas e amigos reais. Sua vontade de viajar o conduzia para um lugar que era verdadeiramente seu, lugar permeado de sentido e beleza, mundo de esperanças e certezas em meio ao mar de dúvidas da dor.
E como o jovem que esteve postado rasgando suas dores e externando desejos de superação para alguém que poderia estar tão perto ou longe, do outro lado da conversa no celular, vislumbrei reflexões tão profundas e necessárias sobre a necessidade de arrumar as malas da alma e partir em uma longa viagem. Não uma viagem de fuga ou desespero, mas o ato de partir com o desejo inicial de retornar, voltar ao estágio anterior à perda de forma que cheire à novidade e tenha sabor de esperança.
E para onde ir em meio à dor, em meio ao coração que clama com a vontade intensa de viajar? Bem, esta resposta acha-se somente neste próprio coração que clama. O destino da partida pode ser um lugar real, um lugar imaginário, um por-do-sol, uma loucura de correr pela chuva, um café quente e forte às 16:00, a casa de uma pessoa querida, um jardim florido...

Escrito por Edward de A. Campanário Neto

2 comentários:

suavidade disse...

Ops... teus textos são muito ricos em detalhes....
Gosto disso...

Edward de A. Campanário Neto disse...

Detalhes são o que eu considero o verdadeiro sabor da vida.