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15 de jan. de 2011

O Vale do Silêncio

Você teria coragem de trilhar o Vale do Silêncio?

"Este caminho se chama Vale do Silêncio. É conhecido de alguns como passeio aos labirintos da alma, veredas mudas, jardins da bruma, mergulho ao vazio... é a jornada onde o silêncio de si mesmo clama da essência do ser para não sucumbir às tormentas. Ali os gritos e ruídos externos são emudecidos para o momento da saída, que se revelará um grito de libertação do ser."


Existem momentos em que nos vemos diante de situações tão confusas e desesperadoras.  Perdas, decisões que implicam dores,  desilusões, frustrações, caminhos estranhos... por fim, o equilíbrio que há em nosso ser é estremecido, deixando marcas e escolhas que acabam por mudar nossa rotina, nossa vida ou o que imaginamos que ela seja.
E quando nos vemos diante de tudo isso, sempre nos restam dois caminhos. O primeiro, mais fácil e tentador, é ignorar os fatos e tapar os buracos da alma com cascalhos e fragmentos de novos projetos. Quando as pessoas decidem trilhá-lo geralmente se entregam de forma cega à religião, ao trabalho, aos estudos, a novos relacionamentos sem amor verdadeiro, a mudanças com destino ao escapismo. A vida passa a seguir um curso de imediatismo que, a princípio, tem aura de uma suposta felicidade, mas que passado um médio ou curto período lança a existência num estágio de confusão ainda mais profundo e cinzento que o anterior.
O segundo caminho para relevar as mazelas da vida é muito mais complexo, desafiador e até mesmo amedrontador. Suas entradas se dão em meio à dúvida e ao tracejar de uma rota de saída que inicialmente não existe. Este caminho se chama Vale do Silêncio. É conhecido de alguns como passeio aos labirintos da alma, veredas mudas, jardins da bruma, mergulho ao vazio... é a jornada onde o silêncio de si mesmo clama da essência do ser para não sucumbir às tormentas. Ali os gritos e ruídos externos são emudecidos para o momento da saída, que se revelará um grito de libertação do ser.
O Vale do Silêncio é mesmo complexo. Isso se mostra de forma latente por não haver espaço para comiseração e auto-piedade. Lá não há ninguém para dizer que sente pena ou dizer que você não teve culpa. No Vale, ainda que sob condições a princípio nada agradáveis, a responsabilidade dos atos clama e se ergue da mesma forma que as culpas que devem verdadeiramente ser abandonadas.
Sim, o Vale do Silêncio é frio e escuro, difícil de ser traspassado, mas uma prova para um crescimento pessoal e humano sem precedentes. O que de lá saíram nunca mais foram as mesmas pessoas fúteis, depressivas e desesperadas. Aprenderam a vencer seus medos e traumas, compreenderam do perdão, conheceram mistérios da vida que passam despercebidos aos olhos embaçados pelo fluir de lágrimas ou pelas chamas consumidoras de ódio e sede de justiça própria.
Além de um encontro com si mesmo, em meio às veredas mudas a voz de Deus mostra-se mais audível. Isso se explica não pelo fato do Criador postar-se de forma diferente, mas pelo motivo de não estarmos tão distraídos e envenenados de nossas próprias palavras torpes, mesquinhas e afogadas em meias-verdades e mentiras inteiras. 
Mergulhando no vazio do ser através da rota do Vale somos despidos dos fardos de nossa mediocridade, sendo que até mesmo grandes dilemas são desfeitos como nuvens aos céus do deserto. O principal deles que cai por terra é justamente aquele que nos rouba a percepção de que Deus nos vê, sabe de nossos atos e que nos é impossível esconder a verdade. Desta forma somos capazes olhar para o Criador de forma mais verdadeira, de maneira que enxergarmos a nós mesmos além da rejeição que sofremos, da perda, da doença, do problema, do amor que se foi...
A grande verdade é que o Vale do Silêncio é o colírio que arde nossos olhos, limpando nossa visão das coisas. Através de sua ação enxergamos a vida em sua real proporção. Passamos a ver a proporção das coisas que importam ou não. O grande problema pode revelar-se mínimo e o pequeno pode apresentar-se verdadeiramente grande e complexo, mas a percepção tardia ainda é muito melhor que o estado anterior.
Mas não podemos confundir o Vale do Silêncio como caminho de contemplação da dor. Nele também há luz, há sorrisos, há recomeços... O silêncio não nos impede de alcançar a felicidade, mas sim de compreendê-la e descobrimos se a temos verdadeiramente e, descobrindo que não, nos aponta novas rotas que levam a ela de forma mais sensata e real.
Por tudo isso eu não temerei o Vale do Silêncio. Já arrumei a bagagem de minha alma e vou partir em uma longa jornada. Preciso me encontrar por lá e, mais ainda, perder algumas coisas ou aprender a reagir às que já perdi... Quem sabe eu recupere algo que não era para ter perdido ou abandonado? Isso ficará ao cabo do caminho.
E repito que não terei medo! Quando enxergamos a Deus não há pavor que nos paralise. No Vale do Silêncio eu sei que terei novos modos e oportunidades para contemplar o Criador. Ele agirá do mesmo modo, me olhará como sempre. A única diferença é que serei guiado por caminhos que não conheço muito bem. Melhor para mim, pois sei que estarei definitivamente em suas mãos...

Escrito por Edward de A. Campanário Neto    

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