Simplicidade é o caminho ideal para a felicidade, para se ver as coisas boas da vida
"Esta questão existencial, que sempre insisto em evidenciar, está voltada para os bens que se constroem em princípios de isonomia humana, mutualismo, doação e afeto. Tais fundamentos ocupam em nosso ser o espaço que verdadeiramente importa ser preenchido, trazendo o conceito de real de felicidade, tão distante da proposta de prazer sem razão de um mundo do imediato, sem reflexão, sem poesia."
Costumo dizer que a vida é muito mais bela do que imaginamos. Mesmo em meio às intempéries que há no cotidiano pode-se extrair coisas que encontram-se em um patamar extremamente mais elevado que o cansaço, o excesso de questões a resolver e os momentos de inação diante do caos de nossos dias.
Não nego que viver é uma tarefa extremamente complexa,
principalmente em uma sociedade como a nossa, mas afirmo que há muitas belezas
que ignoramos, belezas estas dotadas de sentidos tão relevantes para uma
existência verdadeiramente plena, pulsante e graciosa.
Esta questão existencial, que sempre insisto em evidenciar,
está voltada para os bens que se constroem em princípios de isonomia humana,
mutualismo, doação e afeto. Tais fundamentos ocupam em nosso ser o espaço que
verdadeiramente importa ser preenchido, trazendo o conceito real de felicidade,
tão distante da proposta de prazer sem razão de um mundo do imediato, sem
reflexão, sem poesia.
Partindo do ideal ou sonho – use a palavra que achar melhor –
de que a essência é de muito mais valia, repito para mim mesmo o quanto
sou agraciado em viver minha vida. Mesmo não tendo o tempo que gostaria de
dispor, os recursos que atenderiam minhas necessidades e até mesmo a compreensão
de todas as coisas que me afligem, fito o tracejar dos meus dias e estampo um
sorriso que transborda de dentro de meu coração.
O que dizer dos momentos tão belos que esta viagem da
existência nos proporciona? Bem, por mais que eu insistisse creio que não
haveria palavras para descrever a totalidade de percepções diante de olhares,
sorrisos, pessoas e vislumbres. É algo que muito transcende o conhecimento e,
para tanto, faz-se tão completo em suplantar nossos vazios, nossos medos e
dúvidas cruéis.
Muitas pessoas podem achar loucura o ato de lançar olhares
sobre as coisas mais simples. Estamos mais acostumados a buscar o grandioso, o
que traz fama, o que conduz ao dinheiro, mas acabamos ignorando que tais
caminhos são cinzentos e fadados à prisão e destruição do ser. E assim
adoecemos de nossas almas: rimos sem saber exatamente o porquê; choramos além
do necessário; investimos o tempo em inutilidades; envelhecemos tendo a
sensação de que nunca fomos felizes; nos tornamos demasiadamente desconfiados;
não permitimos que as pessoas nos conheçam como somos; consumimos
desesperadamente produtos na tentativa de suprimir o vazio do ser; descartamos
pessoas; estamos acompanhados, mas sempre solitários.
Creio que a configuração do mundo pós-moderno facilita muito
o processo de adoecer da alma. Digo isto por ter tido uma experiência tão
diferente do que hoje fito à minha volta. Cresci ao lado de um leitor atento e
uma mulher voltada á sensibilidade do céu, da chuva, das palavras. Fui me
fazendo e refazendo nas conversas de beira de calçada, nas tardes de caminhada,
nas noites frescas, no olhar das garças que subiam o rio pela manhã e o desciam
na viração do dia.
Tudo isto foi vivido em meio à quietude do pequeno vilarejo,
ao cheiro de mato, poeira e terra molhada ao sabor da chuva. Era a existência
que se vestia do novo a cada café na casa da avó, a cada mergulho no rio e corrida
com os pés descalços em meio à algazarra da criançada que vivia solta como
passarinho.
As marcas do menino curioso que era sempre levado a pensar
sobre a vida se impingiram no jovem que teve que abandonar o pacato vilarejo
para seguir com a vida, pelejar com o sistema, trabalhar, estudar. Neste jovem
que tanto sonhava ia se formando o homem que expandiu seu gosto pelas letras e
escrita, pelas reflexões sobre a vida e a graça em se viver.
E assim reconheço que há muitas coisas boas na vida. Por
mais que eu me canse ou até mesmo me desanime em certos momentos, às vezes
teimo em ser aquele menino ou jovem sonhador. Tiro meus sapatos e ando
descalço, corro ou ando devagarzinho pela chuva, rio e faço graça de mim mesmo,
me misturo às crianças e me deixo levar por suas brincadeiras, danço sozinho,
canto... A vida, então, toma de novo seu sentido, ou ao menos parte dele.
Essa crença, essa prática de ouvir o menino e o jovem que um
dia eu fui, tornam as coisas mais belas, mais interessantes e pulsantes. Na
verdade, esta parte tão nobre que há dentro de mim me eleva para olhar com mais
atenção para o mundo à minha volta, geram uma sensibilidade que me traz tanta
paz e desejo de viver.
Posso até ser visto como louco ou demasiado sensível ou bobo
para os modelos de “homem” que existem, mas não sinto vergonha de ser o que sou
ou de sentir aquilo que considero vital. Me sinto pleno não com a bebida, com
drogas, com luxo, poder, com depravação ou agressividade, mas sim com a
simplicidade de rir com as pessoas à minha volta, com a companhia das crianças
, com o valor das amizades, com a manifestação da natureza e com um amor
verdadeiro e poético para com as mulheres de quem me aproximo ou me aproximei.
Não me sinto fraco por chorar ao abraçar alguém. Não tenho
medo de sorrir ou chorar de emoção diante de um sonho compartilhado, um
presente recebido ou um gesto de carinho. Posso não ser a pessoa que a
sociedade deseje, mas sou alguém que olha para o caos e consegue ver que há
coisas boas na vida, as coisas que verdadeiramente importam, já que todos
estamos aqui de passagem.
Digo que as coisas mais importantes são as mais simples,
pois são justamente elas que prevalecerão quando chegarmos ao fim de nossa
jornada. Quando vier a velhice, a fraqueza do corpo, a doença repentina, a
perda do ente querido, a tragédia familiar ou quaisquer outras mazelas de que
somos potenciais atingidos, terá importado muito pouco ou quase nada o vigor
dos exageros e futilidades. Isso trará muito mais amargura de um tempo que
poderia ser vivido de outra forma, da maneira intensa, dos sentidos e da beleza
que transcende nossos trapos de verdades.
Fica claro que alcançar uma vida reflexiva não é tarefa de
um dia para o outro e que, atualmente, tal desafio é ainda mais complexo. É
necessário então provar do amargo remédio de abandonar a reação automática,
questionar a lógica do consumo e da mídia e transgredir nossas verdades e
conceitos de felicidade.
Escrito por Edward de A. Campanário Neto
3 comentários:
O extraordinário reside na simplicidade...
Nas coisas que fazem a vida acontecer verdadeiramente...
E a vida sempre acontece, mas na maioria das vezes não nos damos conta disso.
E o amor é lindo mais ñ acho que o amor ñ é paz e´comisas boa mesmooooo
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