Estou cansado...

Um desabafo...

"Estou cansado de parar em noites como estas e ver que se acumulam coisas que eu gostaria de fazer em detrimento daquelas que fiz e alcancei satisfação. Estou cansado de ver minha vida castrada pelo tempo, que coíbe os prazeres de tempos outros, tempos de criança, quando ainda não estava emparelhado com este sistema tão esquisito e amordaçador.

Isso tudo me faz pensar nos livros que tanto queria ler, nos lugares que gostaria de conhecer e nas pessoas com quem gostaria de estar. Penso no amor poético que ainda almejo encontrar e que ainda acredito existir..." 

Depois de um longo dia trabalho e estudo eu chego em casa com o corpo retesado e a mente completamente dispersa e confusa. Este dia é mais um dia de uma semana atribulada, dentro de um mês que passou sem eu ao menos perceber, sem dizer que o ano já está às portas de se encerrar. Olho para as luzes apagadas, algumas coisas fora do lugar, uma pia cheia de pratos e talheres. É tão tarde que eu ainda nem tomei banho. A toalha está estendida à minha espera, enquanto só tenho forças para arrastar uma cadeira, sentar e refletir um pouco sobre minha vida. 

Neste momento de reflexão meu corpo compreende que cessaram as lutas e o ritmo frenético, deixando de produzir as muitas substâncias e hormônios que me mantinham anestesiado de toda pressão sobre meu físico e emocional. Agora sinto meus olhos cansados, minhas pernas dormentes, minhas mãos formigando... Sinto que vou desabar a qualquer instante.

Ainda assim, me forço a refletir, a pensar no quanto estou cansado. Percebo que que este ritmo me consome e me rouba de tantos momentos e experiências. Realmente, eu estou cansado...

Estou cansado de minha excessiva carga de trabalho, uma série de repetições que vêm e vão a cada mês que se passa, deixando como rastro somente um salário não satisfatório e uma montanha de desgastes. Estou cansado de ser coibido por um mundo e uma sociedade que só fazem exigências  fúteis e impensadas.

Estou cansado de parar em noites como estas e ver que se acumulam coisas que eu gostaria de fazer em detrimento daquelas que fiz e alcancei satisfação. Estou cansado de ver minha vida castrada pelo tempo, que coíbe os prazeres de tempos outros, tempos de criança, quando ainda não estava emparelhado com este sistema tão esquisito e amordaçador.

Isso tudo me faz pensar nos livros que tanto queria ler, nos lugares que gostaria de conhecer e nas pessoas com quem gostaria de estar. Penso no amor poético que ainda almejo encontrar e que ainda acredito existir... penso na mulher com quem gostaria de construir uma existência mais ampla e afetuosa, mas que não sou capaz de enxergar com clareza, pois tudo passa muito depressa, pois não dá tempo para estar junto, conhecer, ouvir e, então, decidir. 

Vislumbrar o mundo com os olhos cansados não é fácil, principalmente quando se trata do amor, momento em que você corre contra o tempo para não ser deixado para trás ou tem que desacelerar sua vida para que o ser amado não acabe esquecido na beira da estrada, como a visão de um poste que passou quando você quase não notou devido à alta velocidade do carro que dirigia.

Há quanto tempo não sei o que é sentar no chão e contemplar o céu azul avermelhado de um fim de tarde, parar à noite para contemplar o luar, andar descalço pela areia da praia, sair e correr pela chuva, andar de bicicleta, sentar e fazer uma refeição que nada se compara com o almoço tão corrido, sentar e conversar horas afinco com alguém interessante, tomar um café forte com alguém a quem amo ou quero conhecer ainda mais para descobrir meu amor...

Sei que estou cansado, mas não vou deixar me abater. Estou cansado, mas ainda estou vivo! A esperança e alento para que eu encontre o que tanto procuro me servirão de descanso até que eu verdadeiramente ache. Será desafiador, mas servirá como algo a mais para completar o sentido de uma jornada de existência que não fica no aqui e agora, mas que trará um descanso maravilhoso, definitivo, um descanso eterno...  

Escrito por Edward de A. Campanário Neto - 01:00 hora.