Páginas

3 de nov. de 2010

O Silêncio dos Amantes


Lya Luft escancara as portas da alma, nos conduzindo às grandes nuances da vida. Vida, medo, morte, felicidade... em cada conto estes conceitos de materializam diante de nossos olhos

"A cada conto desta fantástica obra de Lya Luft, sente-se a vida de seus personagens, uma vida intensa e apaixonante, que alegra e também apavora. O termo que considero ideal para a definição deste estilo de leitura é tragicamente belo. Em meio ao caos da vida e da morte, um imbricado mundo em que se espreme o ato de viver, a percepção se aguça para o geralmente ignoramos ou sequer nos demos o trabalho de imaginar."


Dos livros de contos que li, O Silêncio dos Amantes, de Lya Luft, foi um dos mais sombrios e intensos. O termo sombrio, no meu sentido de compreensão e no delinear do contos do livro, se traduz em algo que vai muito além dos conceitos de luz e escuridão, extravasando  a visão da palavra que pode suscitar o ideal maniqueísta  de bem  mal. Na verdade, o tom de sombrio desvela-se justamente para aquilo que há de mais profundo dentro de nossa personalidade, nossas escolhas, nossos desejos, nossos medos.
A cada conto desta fantástica obra de Lya Luft, sente-se a vida de seus personagens, uma vida intensa e apaixonante, que alegra e também apavora. O termo que considero ideal para a definição deste estilo de leitura é tragicamente belo. Em meio ao caos da vida e da morte, um imbricado mundo em que se espreme o ato de viver, a percepção se aguça para o geralmente ignoramos ou sequer nos demos o trabalho de imaginar.
Muitos leitores podem encontrar nos contos de O Silêncio dos Amantes estórias sem inícios claros ou desfechos satisfatórios, pois o grande trunfo dos mesmos é nos levar a construir princípios e fins de acordo com nossa intuição ou até mesmo desejo de ir além ou ficar aquém de de certas verdades ou mentiras que povoam nossas mentes tão apressadas e desesperadas por prazer e as demais loucuras deste mundo que tanto nos exige e que muito mais exigirá de nossos filhos.
Os contos de Lya Luft são profundamente marcantes, trazendo consigo uma aura ora de paz, ora de desespero, nos guiando por vias estreitas e esquecidas daquilo que verdadeiramente nos impulsiona. Com certeza livro pode ser considerado um complexo emaranhado de sensações e devaneios, que culminam não exatamente em algo concreto, mas em uma conclusão que dependerá da alma de cada leitor.
Venha mergulhar nas profundezas de um rio onde um espectro sombrio espreita clamando pela morte; sinta e veja o desespero de um médico que causou abortos por toda a sua vida em um sótão atormentador; ande pelos cantos da casa do anão que se sente excluído pela sociedade; saiba o que é o tormento de uma criança que fita o copo de bebida da mãe e vê sua vida esvair-se, imaginando que o mesmo é um copo de água; adentre em crises familiares; descubra, por fim, a vida que se constrói no silêncio dos amantes.
Confira um trecho extraído do conto que abre o livro: A Pedra da Bruxa

A pedra da bruxa
Quando meu filho tão querido sumiu, quando se transformou, se matou, se jogou ou caiu da Pedra da Bruxa, se perdeu no mato – ou saiu voando e nunca mais voltou -, entendi que nossa cumplicidade só existia na minha imaginação. Essa foi a sua verdadeira morte: nossa relação tão especial era mentira. A boa vida familiar era falsa. Andávamos sobre uma camada fina de normalidade. Por baixo corriam rios de sombra que eu não queria ver. Ele, meu filho tão extraordinariamente amado, era irremediavelmente sozinho – eu, que me considerava a melhor das mães, de nada adiantei.
Tive a ilusão de que comigo ele se abria, pelo menos me escutava – com aquele olhar distraído. Pensei que nossa ligação fosse excelente, ele sendo um menino difícil. Eu respeitava seu jeito diferente, desculpava suas impaciências, “mãe, não me abraça com tanta força, mãe pára de me tratar feito bebezinho, não me controla!” Tinha certeza de que em qualquer momento crucial de sua vida era a mim que iria recorrer. E não foi assim.  

Escrito por Edward de A. Campanário Neto

Nenhum comentário: