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8 de nov. de 2010

Um felino, uma festa e a fome do mundo...

 Divulgação
A cada vez que acompanho notícias ou ligo a tv me impressiono com os rumos da humanidade
Como pode alguém sustentar os mais absurdos luxos enquanto o mundo padece de fome?


"Na Escócia, uma mulher acaba de promover uma festa caríssima em homenagem a sua gata birmanesa, que completou 21 anos. June Suttie, que é dona de canis em Inverkip, ofereceu uma recepção luxuosa para 70 convidados. Eles beberam da melhor e mais cara champagne e depois se extasiaram com uma refeição de quatro pratos feita pelos melhores chefs.
“Estou com Jill (a gata) desde que ela nasceu há 21 anos, é uma grande amiga. Espero que ela esteja viva em seu próximo aniversário”, disse June ao jornal "Daily Record". *

Este são as informações que circulam sobre a gata que teve como comemoração de seu "aniversário" uma festa de luxo e glamour. Isso mesmo, a gata, similar em raça a que aparece na foto acima, foi motivo para uma reunião de uma elite que eu considero recalcada e podre!
Isso pode parecer radicalismo de minha parte, mas o que dizer de setores de nossa sociedade que gozam de uma grande riqueza acumulada devido ao sistema desigual que as favorece e se lançam em um frenesi obsessivo em busca de prazeres bizarros e altamente caros? Me espanto e chego ao sentimento de algo próximo do desespero diante do mundo que vejo à minha volta, marcado pela miséria e lutas diárias de milhões de pessoas pelas mínimas condições de sobrevivência, enquanto uns poucos se deleitam em seus fetiches.
Minha revolta em relação à desigualdade se justifica em minha própria experiência de vida. Nunca passei necessidades extremas em minha infância, mas sempre reconheci a dificuldade de meus pais para que eu fosse educado em uma escola pública. Mesmo não sofrendo a gravidade da pobreza na pele, eu presenciei muito da mesma, situações quase de miséria. Isso me faz sentir repulsa a milionários que fazem festas extravagantes para uma gata de estimação.
Daí me surgem inúmeras questões. Como podem pessoas como estas dormirem sossegadas, sabendo que seu gato possui uma alimentação melhor que muitas crianças? A que ponto chegou a frieza da humanidade ao ignorar os lamentos de homens, mulheres e crianças para darem ouvidos ao ritmo de uma canção que hipnótica que soa um mantra sinistro que se interpela pelo individualismo e por ações egoístas de luxos e gostos extravagantes?
Eu sou uma pessoa humilde que foi criada em uma cidade do interior. Meu ambiente era tipicamente humilde e pobre. Pensava que extravagâncias como festas de luxo de gatos e cachorros eram existentes somente nos patamares absolutamente mais altos das sociedades européias e americanas mas, depois de adulto, quando me mudei para Angra dos Reis, paraíso para muitos da elite brasileira, ouvi comentários e presenciei fatos que me causaram repulsa, devido à presença e assédio do luxo na vida das pessoas, vivendo lado a lado com o sofrimento de inúmeras famílias.
Certa vez estava com uma amiga que compartilhava do tédio em ouvir uma "mulher importante" falar incansavelmente da réplica de sua mansão que fez para seu cachorro. A casa do totó foi uma obra artística que custou mais de R$ 300.000,00! Minha reação foi de um espanto sombrio, acompanhado por tristeza e revolta. Meu Deus! Que absurdo! O que está acontecendo com o mundo?
Em um outro momento, em meu ambiente de trabalho, conversava com uma criança, filha de um rico empresário, que contava com detalhes o vislumbre do lustre de ouro incrustado de cristais que havia em sua casa. Além disso, a menina se queixava dos inúmeros seguranças armados que o pai pagava para assegurarem sua vida, uma menina de somente nove anos de idade!
Em outro caso, conversando com amigas que são corretoras imobiliárias, tive um sobressalto de minha alma ao ouví-las comentar que famílias chegam a fechar pacotes de diárias no valor de R$ 12.000,00. Em dez dias isso dá um montante de R$ 120.000,00, preço de duas ou três casas, dependendo do local. 
Confesso que sinto uma fisgada no peito quando olho para este cenário de festas de luxo para gatos, lustres de ouro e pacotes de férias familiares que custam mais de R$ 100.000,00. Olho com angústia para o contraste da luxúria que presencio hoje com o meu passado onde estive cara-a-cara com a luta de sobrevivência diária de muitos de meus amigos e colegas de escola. Muitos andavam descalços por falta de um chinelo, estavam sempre com fome, andavam com roupas velhas e rasgadas, não tinham dinheiro para sequer comprarem cadernos e livros. 
Olho para tudo isso e vejo minhas esperanças se envolverem em uma bruma, mas nunca deixarei de crer que existe uma possibilidade de uma sociedade alternativa. Não me permitirei mudar os significados das palavras e substituir "absurdo" por "exótico", "riqueza" por "esforço" e, enfim, nunca me sujeitarei ao peso da palavra "empreendedorismo", que veio como o mal do século para conceder um patamar àqueles que ascenderam na pirâmide do sistema e servir de justificativas para  festas de felinos e para fome do mundo. 

* Extraído do site Pop News

Escrito por Edward de A. Campanário Neto

Um comentário:

Anônimo disse...

Edward, o seu texto me lembrou uma cena do filme "Germinal", produzido da história de Emile Zola. Esta cena me marcou demais... O momento em que um dos mineiros já doente e a beira da morte devido ao trabalho escravo, recebe a visita de uma doce menina filha de burgueses. A intenção do coração da menina parece a mais pura, ela estava levando, se não me falha a memória, comida ou pão. Porém ele a estrangula até a morte.
Aquela cena me chocou tanto... Penso que a sociedade é assim, as pessoas não fazem festas luxuosas para seus cães e gatos por pura maldade. Não é intencional é consequência da falta de amor ao próximo, aquilo que Jesus ensinou.
Até a nova Teologia da prosperidade vem pregando isso...
Isso realmente me entristece tanto, lembro-me da Oração de São Francisco e em quantas e milhares de vezes na minha infância e adolescência eu a cantei aos prantos ao ver situações como esta. Com o passar do tempo, o coração vai se endurecendo, alguns corações já nascem duros demais. Nunca tiveram outros parâmetros para suas vidas. Nunca encontraram amor verdadeiro, então amam ao dinheiro pois é o dinheiro que os faz sentir aquele sentimento de sinceridade, de afago que nós, mesmo pobres tivemos... Em Deus, em nossos pais que acreditavam Nele. Nós, somos tão mais ricos que estas pessoas. Não precisamos do seu ouro ou da sua prata, se temos o amor.
Este texto trouxe-me muitas reflexões... E estou sentindo a mesma dor que você falou, mas também sinto paz.
Pois sei que para o gato talvez bastasse uma almofada ou um novelo de lã. A festa é apenas uma imposição de poder, ou um grito de desesperança inconsciente ao mundo "eu desisti da vida, desisti das pessoas... Prefiro dar todo meu dinheiro a um animal que compartilhá-lo com um ser humano, não creio nada só no que posso comprar". Falta de amor, de sentir-se amado.
Nós somos ricos, meu amigo, pois temos a Deus, temos fé.
E confesso a ti, hoje eu trocaria toda a razão e a materialidade do mundo pela minha fé e o meu Jesus.
Parece louco, mas Deus escolhe mesmo as coisas loucas deste mundo para confundir...
Siga sonhando... A indignação é prova de que estamos vivos de verdade.