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16 de out. de 2010

A Esfera do Caos



Ao longo da história, a humanidade sempre buscou a compreensão do mundo, sua essência e sua própria existência. Essa busca pelo sentido do universo cósmico, social e individual, impulsionou o intelecto humano, desenvolvendo as diversificadas formas de conhecimento e concepções de mundo.

Na mitologia grega, a reflexão sobre a origem do universo (cosmogonia), se baseava no princípio do caos primitivo e sua organização. Essa seria a origem de tudo. Tudo era o Khaos, uma massa amorfa e confusa, um abismo insondável com grande poder prolífero. Ele seria o progenitor dos titãs, que, por sua vez, gerariam os deuses.
O Caos grego cosmogônico, em sua essência, originou o princípio do que seria todo o universo e sua composição. Sua primeira geração resultou na criação dos titãs, entidades que representavam a força bruta e incontrolável da natureza. Estes instauram um regime de instabilidade e desordem. Seu domínio só teve fim com a vitória de Zeus, filho dos titãs Cronos
e Rhea, que os controlou e criou a ordem natural do universo dos deuses, mortais e imortais.
Milênios depois da idade de ouro das cidades gregas e sua influência cultural, mesmo com a supremacia do cristianismo no ocidente medieval e o curso da ciência, o conceito de Caos tem se mostrado como um fator essencial para o entendimento do momento que perpassa o mundo hoje em âmbitos sociais, individuais, econômicos e tecnológicos.
O desenvolvimento da ciência e tecnologia nos últimos 50 anos aponta para uma capacidade criadora incalculável ante os recursos naturais e as necessidades e desejos humanos. Esse boom científico situou as perspectivas da existência diante de projetos promissores e, mais ainda, diante de incertezas e incoerências irreais ante o possível e impossível, em um círculo vicioso de contradições.
São incalculáveis os benefícios conquistados por todas as vertentes de conhecimento ao longo da história. Mas, apesar disso, seu caráter "caótico" não pode ser ignorado. Em sua constituição estão, lado a lado, o progresso e a destruição humana. O atual cenário mundial tem sua fundamentação nesse sentido que, por incrível que pareça, não faz sentido algum.
Vemos diariamente conquistas e desafios superados, o que nos leva a pensar que as sociedades caminham para a ordem perfeita e plena felicidade. Um engano, uma ilusão de nossas mentes que anseiam pela dissipação do ar denso de mazelas que realmente nos cerca. Essa é nossa esfera de contradições, esperanças e medos. Estamos inseridos nela, na Esfera do Caos, num marasmo arrasador.
Como é possível a coexistência de posições tão antagônicas em uma mesma esfera? Isso é o que mais assombra. Nossa sociedade está atolada até o pescoço em um caos como o Khaos primitivo, sem forma, sem ordem e, em seu chamado desenvolvimento, dominado pelas forças titânicas da fome, da miséria, da pobreza, da guerra, da subjugação do homem por si mesmo e pela tecnologia, dos homicídios...
O caos mundial, assim como o cosmogônico, é promissor, tem sua projeção para um real estágio de novo desenvolvimento, mas mostra-se ineficaz para enfrentar os monstros titânicos de nossa existência. Essa incoerência, assim como muitíssimas outras que surgem desse processo, nos deveriam provocar vergonha. Deveríamos nos questionar sobre o caos produzidos por nossas mãos.
Segundo o escritor Max Lucado, os questionamentos são instrumentos essenciais na quebra de certezas e paradigmas. Ele os considera meios de traição ao entendimento. Necessitamos, urgentemente, nos tornar "adúlteros" em relação ao nosso entendimento em aceitação à Esfera do Caos em que estamos inseridos. Os questionamentos precisam aflorar em nossa ótica sobre o mundo caótico que nos cerca para que esse entendimento sobre o mesmo mude gerando novas perspectivas e esperanças.
Como acordar e olhar pela janela as incoerências sem nos constrangermos? Como aceitar calados, em silêncio, a carga de injustiça que oprime a humanidade? Como suportar a existência de bilhões de pessoas afundadas na miséria, pobreza e fome, enquanto a maior parte de toda riqueza mundial se encontra nas mãos de um grupo que representa 10% da população? Como aceitar que doenças que foram erradicadas há décadas pelo avanço da medicina ainda existam, matando milhões de africanos e asiáticos? Como suportar a guerra civil, o imperialismo político, as ditaduras? E a degradação do ser humano?
Temos que abrir os olhos e perceber que a organização titânica dessa Esfera do Caos tem, aos poucos, roubado vidas, bilhões delas. Essa ordem caótica tem que ruir.

Escrito por Edward de A. Campanário Neto

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