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22 de out. de 2010

Histórias de ninguém em lugar nenhum: Coisas do mundo - 1ª parte

 
 Acompanhe a série de contos sobre os esquecidos e abandonados à  sua própria sorte: Histórias de ninguém em lugar nenhum


Certa vez uma criança, moradora de um lugar bem distante e bem pobre, vendo a irmã doente, sua casa assolada pela fome, tateando seu corpo despido pela pobreza, castigado pelo frio, perguntou à mãe: - Mãe! Por que as coisas são assim?  - A mãe, sem saber porque o filho decidira lhe fazer esta indagação, 
sentindo um amargor em sua alma, se utilizou da reposta que não convencia nem a si mesma: - Meu filho! Tem certas coisas que são como são. São coisas do mundo! O mundo é assim mesmo. Quando a gente veio ele já estava deste jeito...
A criança, vendo a tristeza nos olhos de sua mãe, mesmo não tendo alcançado entendimento, fingiu-se satisfeita com a resposta e saiu pela porta da casa, forçando sorrisos, dizendo que iria brincar. Já do lado de fora, atravessando a pinguela que passava por cima de uma vala negra de esgoto, foi correr pelas ruas e procurar algo no lixo com que pudesse se divertir. Chegando lá, viu inúmeros catadores e um grande conhecido de seus pais, que vivia do que aproveitava do lixo. Era um homem de rosto sofrido e aparência cansada, marcada por anos de labuta e sofrimento debaixo de chuva e sol. Vendo o menino, ele limpou o rosto e o chamou: - Eu tenho um negócio pra você. - Nas mãos o homem tinha o que fora parte de um brinquedo.
O menino, se aproximando, emocionou-se com o presente que havia ganhado. Nunca tinha tido um brinquedo tão bom quanto aquele, que estava quase inteiro. Sua reação foi de abraçar o homem com tamanha força, não se importando com a sujeira de seu corpo, agradecendo com olhos em lágrimas.
O homem, abaixando-se e fitando o rosto do menino, mexeu em seus cabelos e disse-lhe algumas palavras. - Ah! Criança inocente e pura! Como o mundo teve coragem de fazer o que está fazendo com você?
O menino, saltitante e ainda distante da profundidade da pergunta do homem, deixou o lixão e foi para casa, alegre e receoso em mostrar para a mãe o que tinha ganhado.
No caminho, a criança enfim trouxe à memória a resposta da mãe, somando-a à fala do homem no lixão. Num vislumbre, sua curiosidade infantil elevou-se como uma chama que nunca se apagaria. Dali, desviou a atenção do brinquedo e começou a pensar: Coisas do mundo... Quem será esse mundo que eles falam?
Mais empolgado com a pergunta do que com tudo que havia antes se preocupado, o menino seguiu em galope para lugar nenhum, procurava alguém que lhe desse mais respostas. 
No rastro da poeira deixada pelas pernas finas da criança ao correr, erguia-se muito mais que isso. Surgia ali um leque de possibilidades que traria ainda mais perguntas e muitas descobertas. Seu desejo era o de conhecer o mundo que não conhecia e saber o porquê de suas agonias. Pela primeira vez na vida ele sentiu que havia um sentido para tudo, ainda que ainda não conseguisse compreender...

Escrito por Edward de A. Campanário Neto

2 comentários:

Anônimo disse...

Em nosso cotidiano maquiado, só vemos o superficial. As desigualdades gritam pelo mundo afora, quem as ouvirá? Tão perto e tão distante. Talvez um coração sensível seja essa tal liberdade... Que permite ver o outro além da sua condição humana.

Anônimo disse...

Um componente sempre presente em minhas orações é a busca incessante de convicções para que eu não me perca dentro de minhas vãs filosofias e apegos materiais, tapando meus ouvidos para o lamento dos oprimidos...