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25 de out. de 2010

Superando as marcas do racismo...

A sociedade brasileira se viu livre da escravidão negra em 1888, mas, até os dias atuais, ainda vivemos uma estratificação oculta aos olhos da maioria dos brancos, mas bastante evidente na vida dos negros. Tal estratificação é negada por muitos e, entre aqueles que acham que o Brasil é o país de todas as raças e cores, figuram dados estatísticos que comprovam a verdadeira realidade do racismo que, na maioria das vezes, se revela nas sutilezas da desigualdade social entre as etnias.

A escravidão se foi, a opressão continua: o que mudou foram as formas de discriminação. Para nossa vergonha,  ainda temos uma sociedade negra e excluída  que carrega o pesado fardo da desigualdade
A contradição do racismo no Brasil enfim caiu por terra. Isso, infelizmente, não se deu por uma grande conscientização social, mas por meio de pesquisas que comprovaram: somos racistas! Essa declaração, bombástica para muitos, se revelou através de uma série de estudos que aponta o verdadeiro abismo social que separa os brancos dos negros e pardos e os brancos pobres dos negros e pardos, ressaltando que, em ambas avaliações, os negros sempre ocupam as piores posições na pirâmide social. Tais constatações comprovam a atualidade e a necessidade da    ampliação de programas de cotas e a implementação de novas leis e projetos que lancem novos olhares em assistência e inclusão social aos negros em nossa sociedade.Essa é a única forma de mitigar a desigualdade que se mantém desde a "suposta" libertação dos escravos negros. O Estado tem que conduzir este processo junto com os movimentos sociais, de forma que as novas gerações tenham o negro inserido e não o excluam ao acesso aos seus plenos direitos, assim como outro cidadão. 
Abaixo, segue uma reflexão de Clédisson Júnior, diretor de Combate ao Racismo da UNE, sobre o histórico dos ideais racistas e a inserção do negro nas universidades através das cotas. Para ele, as cotas são parte de  caminhos essenciais para enfrentar o ciclo contínuo de desigualdade em que os negros se encontram inseridos há séculos:

O Racismo no Brasil

Para compreendermos o processo de formação da sociedade brasileira, é preciso entender que o racismo foi ideologia fundamental para a manutenção do Estado que se pretendia formar, isto é, não ocorre processo colonialista sem racismo.

O racismo sempre foi instrumento para manter a dominação, subjugando a todos que estão sob esse véu. O racismo é resultado da epistemologia européia a serviço da dominação sobre os outros povos. O racismo como o vivenciamos dia-a-dia é um conjunto de ações e intenções que marcam as relações sociais entre os indivíduos, e tem em sua fundamentação a superioridade de uma raça (branca) em detrimento de outra (negra e/ou indígena, etc).

É importante destacar que o contexto raça usado para fundamentar a nossa discussão é apresentado na perspectiva sociológica, ou seja, que raça existe em nossa contemporaneidade e é fruto de um conjunto complexo de fatores culturais e históricos, que, sim, foi balizador e critério para configurar a divisão social do  trabalho no período colonial e nas ocupações dos diversos espaços de direção e poder de nossa sociedade.

As desigualdades raciais existentes em nosso país têm em suas bases uma estreita relação com a estruturação em classes de nossa sociedade. Em uma sociedade regida por uma democracia liberal, amparada em preceitos burgueses, o preconceito racial cumpre novas funções e ganha novas formas de aplicação, ainda mais eficientes no intuito de manter negras e negros fora dos espaços de formação e conhecimento que possam garantir algum tipo de ascensão social.

O negro e a negra na universidade brasileira

Atualmente, o acesso à universidade pública se dá por meio de um processo de seleção no qual a maior parte dos aprovados são estudantes egressos de escolas privadas ou que possuem recursos necessários para o custeio de cursos preparatórios ao exame de admissão.

Como sabemos, a população negra é maioria da população pobre e/ou miserável de nosso país, o que cria uma dinâmica de inversão proporcional no processo de inclusão no ensino superior público no Brasil. Defender a presença cada vez maior e efetiva de negros e negras na universidade pública brasileira, para nós, é positiva, imprescindível e estratégica para combater o racismo e fortalecer o processo democrático.

O sistema educacional, políticas curriculares e bases teóricas que fundamentam a produção cientifica no Brasil são construídas a partir de bases e referencias eurocentradas, não respeitando a diversidade étnica que compõe a realidade da população brasileira.

Políticas de cotas de raciais

Nos últimos anos, é intensa a discussão acerca da emergência da aplicação de políticas de ações afirmativas na educação superior brasileira. Tais discussões visam a reparar aspectos discriminatórios que impedem o acesso de pessoas a uma maior “sorte” de oportunidades.

Para nós, do movimento negro, a importância dada às ações afirmativas, em especial, a política de cotas raciais nas universidades públicas, é instrumento estratégico para alterarmos o estado das coisas, na sociedade racista em que vivemos. Pressionar o poder público a fim de aprovar essa política como parte integrante do texto constitucional vem sendo tarefa de todos nós, negras e negros consequentes.

Não somos alheios ao fato de que a igualdade formal, tão cara à concepção de Estado moderno, que visa a consagrar a igualdade de todos e todas perante a lei, não é aplicada em sua acepção prática, não correspondendo com o real sentido de sua existência.

Apresentar perspectivas que apontem para as políticas de cotas raciais, teor de inconstitucionalidade, reforça cada vez mais as críticas e questionamentos que nós dirigimos ao conceito de igualdade apresentada e defendida  pela democracia liberal.

Quando observamos a constituição federal em seu artigo terceiro, em que se elencam os objetivos da República, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento, a  erradicação da pobreza e a promoção do bem para todos e todas sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação; podemos ver o quanto as políticas de cotas raciais para ingresso nas universidades públicas, possui forte conteúdo democrático e amplo apelo constitucional.

É preciso enegrecer a universidade

É papel da universidade fomentar a importante e indissociável articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão, exigência intrínseca para a constituição de um centro de ensino que, de fato, exerça a sua função de produzir conhecimento e tecnologia de fato úteis para a sociedade brasileira.

Uma universidade que, aliando a prática pedagógica e a produção do conhecimento científico, não se ativer ao novo momento histórico que vivemos, diferente e desafiador, e que cada vez mais reclama para si a busca pelo fortalecimento da democracia, não terá êxito na sua missão de transformação e contribuição para a instauração de uma nova consciência e fortalecimento da cidadania.

Assim como é importante a inclusão dos negros e negras nos bancos escolares do ensino superior, também se faz necessário e imprescindível para a universidade a presença e permanência destes.

A efetiva e militante presença dos negros e negras na universidade pública garantirá um redirecionamento no processo de produção cientifica, na elaboração de matrizes curriculares democráticas e em um processo extensionista cada vez mais comprometido com a classe trabalhadora.

Uma revolução nada silenciosa

Em um momento futuro, a ocupação quantitativa que queremos promover ao defender a políticas de cotas raciais nas universidades públicas se reverberará em uma maior participação dos negros e negras nos espaços de tomada de decisão e, consequentemente, na definição de rumos verdadeiramente democráticos e republicanos para a sociedade brasileira.

Tal engajamento nos instrumentaliza para a verdadeira disputa que enfrentamos cotidianamente desde o dia em que nascemos, na qual o combate sistêmico ao racismo é central na estratégia por uma sociedade solidaria, justa e democrática. O processo de resistência a cada dia torna a luta dos negros e das negras mais forte e mobilizada.
Defender em alto e bom som a política de cotas raciais nas universidades públicas é trazer à tona, em todo o Brasil, que ele é um país racista. A defesa das cotas é carregada de forte simbolismo, visando a quebrar com  uma dinâmica de manutenção do poder sustentada pelo mito da democracia racial.

Para que, de fato, possamos superar as distorções sociais gestadas pelos ideais racistas, é necessário compreendê-lo para que a sua superação seja definitiva. Esse processo de compreensão nos traz a relação dialética entre as lutas raciais e a luta de classes.  

Escrito por Edward de A. Campanário Neto

Um comentário:

Anônimo disse...

Magnífica esposição da verdade.Só precisa ser escrita por mais pessoas.