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30 de out. de 2010

O legado de Levy Vygotsky - 2ª parte

Confira o complemento sobre a vida e obra de Levy Vygotsky:


Mediação simbólica, pensamento, linguagem e aprendizagem

Vygotsky, ao elaborar seus estudos sobre as funções psicológicas ou mentais e sua relação com o desenvolvimento/aprendizado, utilizou-se do conceito de mediação simbólica.

  A mediação simbólica, segundo Vygotsky, é fruto da interação do organismo individual com o meio físico e social no qual está inserido, através de elementos mediadores ou intermediários que permeiam seu pensamento e, conseqüentemente, suas escolhas e comportamentos. Trata-se de uma relação onde “o processo simples estímulo-resposta é substituído por um ato complexo, mediado” (Vygotsky, p. 45). Para Vygotsky, tal interação do homem com o meio não se dá de forma direta, mas mediada, auxiliada por ferramentas complementares, os instrumentos e signos.
   Através de uma perspectiva influenciada pelo marxismo, Vygotsky analisa os instrumentos e sua importância para a realização do trabalho que, sendo um potencial de transformação da natureza, é, portanto, vital para a estruturação da própria sociedade, formando sua cultura e organizando o meio de inserção e atuação de cada indivíduo. Aqui fica clara a idéia de que os instrumentos agem como um interposto entre o trabalhador e sua ação, dando aos mesmos a concepção de objetos sociais de relação entre o indivíduo e seu mundo.
   Os signos, sob a ótica de elementos que representam ou expressam objetos, situações e eventos, são denominados por Vygotsky como “instrumentos psicológicos”.  Sua atuação é comparada ao uso de instrumentos (ferramentas), só que no interior do indivíduo, agindo no controle e organização dos processos psicológicos, operando, também nas relações e vivências sócio-culturais.
   Baseado na análise das relações entre a intersubjetividade e subjetividade humanas e sua mediação através signos e instrumentos, Vygotsky “considerou” que, ao longo de sua vivência, o homem estaria, ao interagir com o meio, “envolvido” em um processo contínuo de internalização dos signos e símbolos, construindo, portanto, seu desenvolvimento por meio de sistemas simbólicos. Sendo assim, no âmbito da cultura, principalmente através da linguagem, os signos e símbolos já dados seriam abstraídos pelo indivíduo, elaborando complexos sistemas de representação do real, capacitando-o, continuamente, a interpretar e re-interpretar o meio que o cerca. Há, aqui, um processo de construção onde as atividades externas (sociais) tramitam para o campo individual e subjetivo (intrapessoal).
   Para Vygotsky, a linguagem seria o sistema simbólico básico dos seres humanos, o que explica seu enfoque sobre a mesma em suas concepções sobre o pensamento.
   Vygotsky analisou o pensamento e a linguagem sob perspectivas distintas, chegando à conclusão que ambos possuem trajetórias independentes que, em certo momento do desenvolvimento do indivíduo, se unem, fazendo que o pensamento se torne verbal e a linguagem, racional, em contraste com os animais. O pensamento se materializa nas palavras e as palavras agem como propulsoras do pensamento, construindo, assim, o homem como ser sócio-histórico.
    Um fator marcante nos escritos de Vygotsky sobre a linguagem se enfoca no significado das palavras e sua relação com a cultura e formação das línguas, pois tais foram construídas através da história e vivências sociais de cada grupo humano, sofrendo modificações e variando de acordo com dados momentos ao longo do tempo.
   Vygotsky observou que, assim como na formação da língua, o processo de aquisição da linguagem na criança é construído de forma variante e progressiva. Aos poucos, a criança vai adaptando as palavras aprendidas ao vocabulário do grupo cultural em que está inserida, tornando-as cada vez mais próximas aos conceitos que predominam em tal meio.
Tal visão sobre o processo de construção da linguagem foi determinante para que Vygotsky distinguisse o significado das palavras em dois aspectos, seu significado propriamente dito e o seu sentido. Em um meio social, dada palavra teria um significado, mas, individualmente, a mesma palavra teria um sentido completamente diferente, isso, devido às múltiplas experiências individuais do ser.
Outro conceito fundamental para Vygotsky é o traçado teórico dos níveis de desenvolvimento real e potencial. Segundo tal pressuposto (sustentado por observações feitas com crianças), o nível de desenvolvimento real seria a capacidade intelectual já consolidada pela criança. Por meio dele, esta realiza atividades e age de forma independente. O desenvolvimento potencial caracteriza-se pelos processos psicológicos que possuem aspectos ainda não desenvolvidos completamente. Nesse nível, as crianças, para a realizarem de certas tarefas, necessitam da ajuda de adultos. Sendo assim, a distância entre o desenvolvimento real (o que a criança já sabe) e o desenvolvimento potencial (capacidade de interagir com dada situação sob a orientação de adultos) traçaria as zonas de desenvolvimento proximal, que estão profundamente relacionadas ao processo de aprendizagem e, portanto, ao papel da educação no desenvolvimento.
Vygotsky, ao por em xeque a concepção educacional de um ensino rígido baseado somente na área de desenvolvimento real da criança, salientou a importância das zonas de desenvolvimento proximais. Para ele, a aprendizagem age como fator impulsionador do desenvolvimento produzindo aberturas em tais nas zonas potenciais, ressaltando a importância das relações sociais em tal processo.
Sob esta ótica, observamos que o papel do docente mostra-se essencial ao aprendizado e desenvolvimento da criança. Vygotsky lança olhares sobre o mesmo situando-o em um patamar de agente mediador que, ao propor desafios à criança, ajudando-a a resolvê-los, intervêm para a contribuição do fortalecimento das funções ainda não consolidadas e para novas aberturas na zona de desenvolvimento proximal. 
Apesar de não abordar a escrita como um dos temas principais de sua teoria, Vygotsky destacou sua importância para o desenvolvimento cultural da criança. Sua visão sobre a mesma, em contrapartida com a da psicologia de sua época, a abordava como um complexo e particular sistema de símbolos e signos capaz de designar um elo que simboliza diretamente as entidades reais e suas relações.
Vygotsky apontou que a atuação e esforços do professor e aluno são de extrema importância no processo de alfabetização, pois, para ele, a escrita seria externa à criança, por si própria ela não seria capaz de desenvolvê-la, o que, mais uma vez revela o caráter sócio-cultural da escrita: seu uso prático e social.         

Escrito por Edward de A. Campanário Neto*

*Edward  é formado em pedagogia e pós-graduando em educação pela UFF

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