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17 de out. de 2010

Anjos do Sol


Eis a fruto da inação da sociedade diante das atrocidades que povoam nossa realidade

Contra minha vontade, assisti ao filme nacional Anjos do Sol, lançado em 2006, do diretor Rudi Lageman. Seu enredo, mesmo sendo uma ficção,  narra a realidade enfrentada por crianças e adolescentes que vivem nas capitais ou rincões do país e são exploradas sexualmente por intervenção de suas próprias famílias.
Mesmo não sendo um filme tão recente, achei necessário refletir sobre as questões por ele abordadas, para que tenhamos um despertar da importância das políticas públicas e da presença de um Estado justo, que se levante através de seus aparatos legais em proteção daqueles que não sabem ou sequer possuem modos de defender.
Desde que foi lançado,  Anjos do Sol trouxe muita polêmica e repercussão, revelando a vergonha e crueldade a que são submetidas crianças de classes pobres, que têm seus destinos (diga-se vida e morte) nas mãos ora de homens em busca de prazer sexual, ora de seus cafetões e cafetinas, algozes cruéis de seus corpos.
Histórias semelhantes ou piores que aquelas retratadas em Anjos do Sol se repetem todos os dias em diversas partes do Brasil. Em certos locais a exploração de crianças e adolescentes como objetos de desejo sexual chega a ser comum, revelando o estado degradante de nossa sociedade.
É lamentável saber que, no momento que escrevo estas palavras, crianças seguem com suas vidas destruídas pela ignorância de seus pais, que as vendem como se fossem objetos e de homens e mulheres que fazem delas seus brinquedos sexuais.
No fim, vejo que tais atrocidades cometidas contra tais crianças revelam a desumanização que acomete a raça humana e, de certa forma, tomando o Brasil como um país religioso, a deturpação total do conceito de amor cristão, que se mostra tão distante de mudar os corações e mentes perversas que alimentam esse ciclo de exploração, humilhação, medo, injustiça e morte!
Certa vez, lendo um livro de romance, notei frases que me chamaram a atenção. O personagem falava de coisas que não entendia e que eram verdadeiras atrocidades contra o que ele considerava a essência da vida, mas fazia questões de dizê-las em voz alta para ter a proporção das loucuras e desgraças que eram.
Creio que tal atitude falta em nossas vidas! É fato que faltam também nos partidos políticos, nas igrejas e debaixo de nosso tetos. Precisamos rememorar as injustiças, dizê-las em voz alta para que tenhamos a noção dos rumos que estamos seguindo, que só apontam para o colapso da humanidade e a destruição total da vida em sociedade.
Ao invés de dizermos e apregoarmos a fatalidade das injustiças agimos como negligentes! Entregamos à mídia esse papel, que transformou tudo em lucro, em cifras. Por isso nos beira à banalidade o sofrimento dos oprimidos. Vemos tudo em uma iluminada caixa que emite sons e imagens no conforto e segurança de nossas casas e fazemos nada!
Infelizmente, a ficção tem muito mais poder sobre nós que a realidade! As notícias sobre as injustiças e crueldades contra a vida humana estão ali, todos os dias, mas nos negamos a vê-las como fruto das escolhas de uma sociedade inconsequente e um modelo econômico que nos empurra ao lado mais sombrio de nossa individualidade, nos transformando em verdadeiros monstros e consumidores de pessoas. 
É muito mais fácil dizer que a degradação da sociedade é coisa de Deus, do diabo ou, mais fácil ainda, desligar a TV e esquecer.  No fim, segundo nossa doutrinação individualista, a culpa é sempre de outro. Nunca nos colocamos em posição de responsabilidade, nunca assumimos que temos o controle sobre nossas escolhas e que, quando nos calamos, somos uma parte conivente com tudo o que há de mais podre e perverso em nosso mundo.  
Enquanto a mídia estiver lucrando com a voz da morte e da desgraça humana e nós nos calarmos diante dos fatos, não haverá descanso para nossas almas. Estaremos comprando, vendendo e satisfazendo nossos anseios consumistas, mas nunca nos saciaremos. Aí estará a explicação para a depressão que assola nosso tempos e o aumento das filas dos profissionais da psicologia.


Escrito por Edward de A. Campanário Neto

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