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26 de out. de 2010

A cúpula do G20 e o FMI

Ministros de finanças e presidentes de bancos centrais posam em Seul, em cúpula do G20: os avanços são lentos e pífios em relação ao FMI, dado seu histórico de atrocidades e tendências liberais


"É claro que as questões que envolvem a regulação da economia mundial e o FMI vão muito além do que é divulgado em meio às reuniões do G20, que já são um evento de cunho habitual e oculta uma série de debates vitais a mudanças concretas que se delineiam vagarosamente por todo o mundo. Na verdade, para nos aprofundarmos de fato sobre este grande cerne se faz necessário retornarmos ao cenário do berço de criação do FMI e à parte de sua trajetória como instituição pelo mundo."
No último sábado, dia 23, as lideranças do G20 (grupos das 20 maiores economias do mundo) se reuniram para debaterem as principais questões econômicas do momento, que giram em torno dos efeitos ainda persistentes da crise financeira mundial que teve início em 2008 e ao entrave cambial da desvalorização do dólar, já que a moeda derrete em todo mundo.
Além de tais temáticas pontuais, outro âmbito de bastante destaque nas negociações e acordos foi o entendimento da necessidade de reforma do FMI (Fundo Monetário Internacional), onde convencionou-se uma abertura gradual à influência dos países emergentes em relação ao poder de veto da União Europeia, que cederá 2 de suas 9 cadeiras em representação.
É claro que as questões que envolvem a regulação da economia mundial e o FMI vão muito além do que é divulgado em meio às reuniões do G20, que já são um evento de cunho habitual e oculta uma série de debates vitais a mudanças concretas que se delineiam vagarosamente por todo o mundo. Na verdade, para nos aprofundarmos de fato sobre este grande cerne se faz necessário retornarmos ao cenário do berço de criação do FMI e à parte de sua trajetória como instituição pelo mundo.
O FMI nasceu de um sonho de um grande economista de origem inglesa, Jonh Keynes, que postulou a série de tratados econômicos que levaram à superação da grande crise econômica de 1929. Ele propôs uma reconfiguração dos Estados nacionais na Europa e dos EUA, dando-lhes às características e funções de algo muito além do estado mínimo regulador do ideais liberais. Em sua visão os governos deveriam ser atuantes na economia, na oferta de serviços públicos, na geração e manutenção de empregos, na previdência social e como impulsionador do desenvolvimento.
Keynes vislumbrava um mundo em que o chamado Estado de Bem-estar Social fosse o grande motor da economia e, em contrapartida das iniciativas públicas, proporcionasse um bem estar geral à qualidade de vida das populações. Neste mundo, em meados da década de 1940, ele ansiava pela criação de uma instiuição de proporções planetárias que conduzisse tal processo. Essa instituição era o FMI.
Ao final da segunda guerra mundial a cúpula de países do bloco capitalista reuniu-se e criu o FMI. Sua principal meta era conduzir a economia mundial para livrá-la de choques cambiais e econômicos, além de agir como um fundo de proteção e aporte a países que estivessem passando crises e/ou que precisassem financiar seu desenvolvimento. Em sua origem, o FMI era não só necessário, mas também viável, dado o caos econômico que se instalou na economia mundial após a guerra.
A partir daí uma série de incoerências foram surgindo na institucionalização e operação do fundo. Algo degradante foi o domínio evidente dos EUA e Europa Ocidental sobre o organismo, derrubando o ideal de um voto para cada país nas deliberações. Traduzindo o ocorrido, valeu mesmo foi o dilema de quem pagava mais mandava muito mais.  
Posteriormente, entre as décadas de 60 e 70, dada a ascenção da direita nos EUA e Inglaterra e o ativismo de acadêmicos da tradicional e conservadora escola de economia da Universidade de Chicago, o FMI tornou-se um destino para tais pensadores, que transformaram a instituição em propagador do ideais de livre mercado e fim do Estado de Bem-estar, ratificando e seguindo cegamente a lógica de privatizações e desmonte do Estado nos governos de Ronal Reagan (EUA) e Margareth Tatcher (Inglaterra).
Neste novo cenário o FMI iniciou uma cruzada em sua fé em mercados completamente livres da intervenção de seus governos, apontando, segundo as orientações do principal pensador do livre mercado, Milton Friedman (professor da escola de Chicago), a utilização do mesmo para implementação de suas experiências ou laboratórios da economia livre.
Já nos finais dos anos 70 o FMI ligou-se profundamente - de forma obscena, politicamente falando - a movimentos de aberturas de mercado, agindo como armas justificativas e apoio ideológico para inspiração,  criação e manutenção de ditaduras capitalistas desde o oriente até a América Latina. Deste rol pode-se citar o Brasil, Argentina, Chile, Bolivia, Nicarágua, Uruguai, Indonésia, entre outros.
O FMI viria a se tornar, na década de 90, o motivo principal para a estagnação da economia latina - o Brasil que diga - dada a explosão da dívida que a própria instituição criou para sustentar as ditaduras que ele mesmo havia ajudado a erguer.      
Hoje, após a cúpula do G20 sobre o FMI, vendo a fala de seu diretor-geral, o francês Dominique Strauss-Kahn, vejo que muito pouco ou quase nada foi feito em relação à instituição. Ainda que suas palavras evoquem "a mais importante [mudança] já adotada no governo do Fundo Monetário Internacional", é necessário implodí-la e trazer a ela de volta sua real motivação de existência, vislumbrada por Keynes.
Implodí-la pode parecer por demais radicalismo, mas o que pode se desejar de uma instituição que financiou ditaduras, quebrou propositalmente economias de países pobres para iniciar o processo de abertura econômica - fingindo ajuda - e manipulando dados e projeções para forçar nações inteiras a adotarem sua terapia de choque econômico?*.
Lamento o fato do FMI ainda ostentar a importância e a força que tem. Lamento os posicionamentos do Brasil em relação ao fundo e, mais ainda, os do governo Lula, que vê mérito em encher a boca e dizer que empresta dinheiro ao FMI.
O G20 precisa ir além do que foi feito! Precisa assumir as rédeas de sua real força e obrigar o FMI a se dobrar diante da necessidade de uma política econômica mundial pautada no fim do abismo entre ricos e pobres e em uma política de fortalecimento e robustez do Estado.

* Inúmeros escândalos sobre o FMI foram revelados em meados da década de 90 e recentemente.  Investigações descobriram que diretores do fundo tinham ligações estritas com grupos estrangeiros que operaram as privatizações em diversos países, recebendo milhões em contrapartida por sua influência na abertura econômica.
Além disso, testemunhos e depoimentos de ex-funcionários da instituição mostraram que inúmeros dados sobre a saúde financeira de países era manipuladas para forçar a adoção da terapia de choque. O Brasil esteve na lista de dados manipulados para que a agenda de privatizações fosse conduzida, principalmente no governo FHC, em meio à crise de 1997.

Nota: As questões aqui citadas estão dispostas  de forma superficial. Havendo algumas dúvidas ou desejos de aprofundamento sobre o tema, podemos trocar informações via e-mail ou posts futuros.

Escrito por Edward de A. Campanário Neto
  

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