Acompanhe a série de contos sobre os esquecidos e abandonados à sua própria sorte: Histórias de ninguém em lugar nenhum
Certa vez uma criança, moradora de um lugar bem distante e bem pobre, vendo a irmã doente, sua casa assolada pela fome, tateando seu corpo despido pela pobreza, castigado pelo frio, perguntou à mãe: - Mãe! Por que as coisas são assim? - A mãe, sem saber porque o filho decidira lhe fazer esta indagação,
sentindo um amargor em sua alma, se utilizou da reposta que não convencia nem a si mesma: - Meu filho! Tem certas coisas que são como são. São coisas do mundo! O mundo é assim mesmo. Quando a gente veio ele já estava deste jeito...
sentindo um amargor em sua alma, se utilizou da reposta que não convencia nem a si mesma: - Meu filho! Tem certas coisas que são como são. São coisas do mundo! O mundo é assim mesmo. Quando a gente veio ele já estava deste jeito...
A criança, vendo a tristeza nos olhos de sua mãe, mesmo não tendo alcançado entendimento, fingiu-se satisfeita com a resposta e saiu pela porta da casa, forçando sorrisos, dizendo que iria brincar. Já do lado de fora, atravessando a pinguela que passava por cima de uma vala negra de esgoto, foi correr pelas ruas e procurar algo no lixo com que pudesse se divertir. Chegando lá, viu inúmeros catadores e um grande conhecido de seus pais, que vivia do que aproveitava do lixo. Era um homem de rosto sofrido e aparência cansada, marcada por anos de labuta e sofrimento debaixo de chuva e sol. Vendo o menino, ele limpou o rosto e o chamou: - Eu tenho um negócio pra você. - Nas mãos o homem tinha o que fora parte de um brinquedo.
O menino, se aproximando, emocionou-se com o presente que havia ganhado. Nunca tinha tido um brinquedo tão bom quanto aquele, que estava quase inteiro. Sua reação foi de abraçar o homem com tamanha força, não se importando com a sujeira de seu corpo, agradecendo com olhos em lágrimas.
O homem, abaixando-se e fitando o rosto do menino, mexeu em seus cabelos e disse-lhe algumas palavras. - Ah! Criança inocente e pura! Como o mundo teve coragem de fazer o que está fazendo com você?
O menino, saltitante e ainda distante da profundidade da pergunta do homem, deixou o lixão e foi para casa, alegre e receoso em mostrar para a mãe o que tinha ganhado.
No caminho, a criança enfim trouxe à memória a resposta da mãe, somando-a à fala do homem no lixão. Num vislumbre, sua curiosidade infantil elevou-se como uma chama que nunca se apagaria. Dali, desviou a atenção do brinquedo e começou a pensar: Coisas do mundo... Quem será esse mundo que eles falam?
Mais empolgado com a pergunta do que com tudo que havia antes se preocupado, o menino seguiu em galope para lugar nenhum, procurava alguém que lhe desse mais respostas.
No rastro da poeira deixada pelas pernas finas da criança ao correr, erguia-se muito mais que isso. Surgia ali um leque de possibilidades que traria ainda mais perguntas e muitas descobertas. Seu desejo era o de conhecer o mundo que não conhecia e saber o porquê de suas agonias. Pela primeira vez na vida ele sentiu que havia um sentido para tudo, ainda que ainda não conseguisse compreender...
Escrito por Edward de A. Campanário Neto
Escrito por Edward de A. Campanário Neto
2 comentários:
Em nosso cotidiano maquiado, só vemos o superficial. As desigualdades gritam pelo mundo afora, quem as ouvirá? Tão perto e tão distante. Talvez um coração sensível seja essa tal liberdade... Que permite ver o outro além da sua condição humana.
Um componente sempre presente em minhas orações é a busca incessante de convicções para que eu não me perca dentro de minhas vãs filosofias e apegos materiais, tapando meus ouvidos para o lamento dos oprimidos...
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